sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Contraponto ao contraponto da AUSM

A reportagem da ZH em 14/1/2013 gerou uma série de manifestações por parte dos promotores e interessados nas barragens do rio Santa Maria, muitas delas buscando criticar ou desqualificar minhas afirmações ao repórter do jornal. Pelo tom, diria que estou incomodando muita gente. Recebi várias delas, de forma indireta, e não as publico neste blog como o fiz com a carta do presidente da AUSM, por terem sido veiculadas em caráter particular, a colega comum, e assim chegando ao meu conhecimento. Já a carta publicada, como foi dirigida ao jornalista e veiculada pelo mesmo colega comum, julgo que se tornou pública, não havendo restrições à sua divulgação e permitindo que os leitores deste blog conheçam o contraditório.

As desqualificações e críticas que recebi serão aqui rebatidas. A rigor, isto seria desnecessário, já que neste blog desde 2008 venho procurado analisar e criticar as decisões e manobras que levaram ao desperdício de recursos públicos nos investimentos nessas barragens. Basta pesquisar e ler as diversas inserções que mostram, muitas vezes de forma antecipada, os erros cometidos e aponta os problemas que causarão, muitos dos quais já se materializaram.

Como sempre afirmei e mantenho: as barragens da bacia do rio Santa Maria são péssimos exemplos de incompetência técnica, irresponsabilidade econômica e uma farsa no que se refere ao processo de licenciamento ambiental. Neste blog apresento argumentos nunca refutados para defender esta posição.

Para facilitar a vida dos leitores, porém, resumo as considerações realizadas nesta inserção, sendo que poderão buscar mais detalhes na leitura de inserções prévias, caso tenham tempo e interesse.

Sobre a tentativa de deslegitimar as críticas de um desapropriado pela barragem do Jaguari

Antes de tudo, gostaria de rebater, uma vez mais, a tentativa de me desqualificar por ser proprietário de terras a serem parcialmente inundadas pela barragem do Jaguari. Nunca escondi isto e no próprio blog, ao me identificar, informo esta condição.

É interessante a situação que colocam. Já ouvi de muitos conhecidos a argumentação de que serei favorecido pela barragem. Alegam que serei desapropriado em muito mais do que a área alagada (rigorosamente 100 m da linha de inundação) e como não será demandado o cercamento da área desapropriada meu gado poderá usar esta área não alagada e, portanto, perderei muito menor quantidade de área pastejável do que a desapropriada. E que, pela proximidade da água, meu gado terá água para beber e poderei adicionalmente irrigar área adicional usando os valores pagos pela desapropriação, quadruplicando a lotação, e assim tendo lucro, em vez de prejuízo.

Na verdade, o que menos me move nestas críticas que faço a esses investimentos é a avaliação de vantagens e desvantagens que pretensamente terei. Ainda não pensei nisto, e nem fiz os cálculos que alguns fizeram e me passaram, talvez na tentativa de mudar minhas atitudes e argumentações contra estas barragens. Não conseguiram. O mesmo não posso dizer dos críticos, que por um lado tentam me desqualificar por pretensamente ser parte interessada, alegando questões “éticas” (!!!), quando eles defendem as barragens por também serem partes interessadas, em função dos benefícios que esperam obter, direta ou indiretamente. Dois pesos e duas medidas, portanto.

Não os desqualifico por isto, no entanto. Acho que em qualquer debate sempre existem interesses pessoais subjacentes às posições que adotamos e cabe a nós nos policiarmos para não apresentarmos argumentos inconsistentes apenas por tentarmos “levar vantagem”. O que vale, portanto, são os argumentos apresentados e não os interesses de quem os apresenta.

Uma das razões que me leva a criticar estas obras é que na maior parte da minha longa vida acadêmica, de mais de 35 anos, ensinei aos meus alunos a realizar análises econômicas de projetos de recursos hídricos. Busquei insistentemente alertar contra os vícios de análise, que acabam por favorecer investimentos claramente inviáveis. Pois quando deixo a vida acadêmica, me defronto com um destes investimentos no “meu quintal”, rigorosamente falando, que apresenta todos os vícios e mais uma série de manobras, claramente motivadas por interesses não republicanos, voltadas a justificá-lo. Seria contraditório de minha parte aceitar algo que a vida toda procurei combater, na academia e depois na vida profissional. Se quiserem alegar a existência de interesse próprio, em função de prejuízos que terei por ser desapropriado, não discuto. Não tenho certeza se os terei. Pensem o que quiserem, mas analisem, e se puderem, rebatam meus argumentos com os seus. Assim é que se faz uma discussão honesta.

Histórico do envolvimento com a discussão sobre as barragens

A história de minhas críticas em relação a estas barragens iniciou há muitos anos, na década dos 80’s, quando meu sogro, proprietário das terras que agora ocupo, me procurou para avaliar as notícias que falavam da barragem do Jaguari. Como era professor universitário, na área de recursos hídricos, e envolvido com avaliação econômica de projetos, procurei colocar a questão sobre a ótica econômica. Concluí que não havia viabilidade econômica nos investimentos voltados à construção de barragens-reservatórios de regularização para irrigar arroz, considerando sejam os benefícios diretos, sejam os indiretos e secundários. Procurei acalmá-lo afirmando que quando avaliações mais sérias e abalizadas fossem realizadas, estas propostas seriam rejeitadas pelos tomadores de decisão.


Hoje percebo que me faltava uma visão política – da baixa política – sobre a questão. Anos se passaram, e volta e meia retornava a questão, com diversas empresas sendo contratadas para estudar as barragens da bacia do rio Santa Maria. Cheguei a obter um relatório de uma consultora espanhola e, com dados mais atuais, e nos anos 2000 orientei uma aluna do pós-graduação em recursos hídricos e saneamento do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS, para avaliar os investimentos propostos. Os mesmos resultados anteriores foram alcançados, comprovando a inviabilidade econômica de qualquer uma das barragens, algo em torno de 13.

Quando em 2006 assumi a fazenda, devido à idade avançada de meu sogro, tive a surpresa de tomar conhecimento de que havia uma iniciativa de implantar exatamente a barragem do Jaguari, juntamente com a do Taquarembó, a despeito das avaliações que havia feito. Tudo, aparentemente, consequência de uma seca extrema ocorrida neste ano, e de um ministro cearense da Integração Nacional, que imaginou que no Pampa gaúcho valiam as lições que havia aprendido em sua terra natal, onde havia sido governador: para a seca, a solução é barragem. Faltou apenas se propor um Departamento Riograndense de Obras Contra as Secas! Não vou entrar em detalhes aqui sobre as diferenças entre as secas interanuais do semi-árido nordestino e as secas sazonais do Pampa, mas vale constatar que clima, solo, economia, cultura, tudo é distinto, demandando soluções próprias. Dentro da única visão que se aplica a ambos os casos: não de luta contra as secas, mas se prepara para a convivência com elas.

Quando procurei me inteirar dos projetos e das avaliações econômicas destas barragens, surgiram os primeiros problemas. Embora estas informações devessem ser publicizadas – afinal a informação sobre investimentos públicos é um direito da cidadania, algo tão comentado – em nenhum momento consegui acessá-las. Ficava nítido o receio que os interessados tinham em me passar as informações sobre os empreendimentos. O que me levou à conclusão de que sabiam que eles não resistiriam a uma análise mais rigorosa, que sabiam que eu podia fazer.

Continuei a luta para acessar as informações, que eram prometidas, mas nunca apresentadas, sob a alegação que os estudos não estariam totalmente completos. Compareci em meados de 2006 a uma reunião festiva promovida próximo à barragem do Jaguari, no Bar da Lagoa, município de São Gabriel. Fiz o papel de convidado incômodo, pois questionei publicamente as autoridades federais, estaduais e municipais presentes com relação tanto à viabilidade das barragens, quanto à falta de informações sobre as mesmas. E nada me foi respondido a não ser que os estudos não estavam completos, isto que já estavam com o fogo aceso para o churrasco comemorativo do lançamento das barragens. Ou seja, se ainda não tinham os estudos, o que estavam comemorando?

Foi o que bastou para ser procurado por vizinhos, que ainda não me conheciam, pois era recém-chegado, e que mostravam a sua indignação por não terem sido procurados e informados sobre as consequências que estas barragens lhes trariam, ao alagarem suas propriedades. Percebi aí a assimetria que havia entre as informações disponibilizadas aos proprietários rurais que seriam alagados, e os proprietários rurais – plantadores de arroz – que seriam pretensamente beneficiados, estes reunidos no Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Santa Maria. 

É risível, pois, a afirmação de alguns que este Comitê é o espaço democrático para discussão destas questões. Cabe ensinar algo a eles – e me arvoro a isto em função dos meus mais de 40 anos de experiência com comitês de bacia em todo país, por ter participado da elaboração da lei da Política Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul, e de mais de uma dezena de planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas em quase todo país: um comitê é a instância original dos problemas de conflitos de uso de água e de deliberação da destinação dos recursos arrecadados pela cobrança pelo uso da água. Não existe nesse caso das barragens conflitos de uso de água e sequer discussão sobre a destinação dos recursos da cobrança, pois ambos não existem neste momento – ninguém paga pelo uso da água bruta na bacia do rio Santa Maria.

Não estou discutindo se a água deve ir para este ou aquele uso, mas sobre a viabilidade econômica, social e ambiental de investimentos públicos, que são sustentados por recursos a fundo perdido aportados pelos tesouros nacional – principalmente – e estadual. Estou questionando a destinação desses recursos, que estão sendo aplicados em um “buraco sem fundo”, como disse o repórter da Zero Hora, quando poderiam ser mais bem utilizados para promover o desenvolvimento regional e do estado. Esta questão poderia ser discutida pelo comitê, mas não lhe cabe deliberar sobre ela, por se tratar de questão essencialmente técnica, que escapa ao nível de compreensão da maioria de seus membros, e que envolve atores sociais que extrapolam a bacia hidrográfica do rio Santa Maria. Afinal, investimentos públicos são alimentados por impostos que são pagos por toda sociedade gaúcha e brasileira, que espera que os decisores públicos tenham responsabilidade em suas aplicações, e deles podem e devem cobrar isto.

Até recentemente perdurou esta falta de informação aos proprietários que seriam alagados. A única informação que tinham era de um documento antigo que encontrei e lhes passei, que avaliava as áreas a serem desapropriadas de cada proprietário na região alagada, desatualizada tanto em relação aos proprietários (muitos venderam suas propriedades desde então e outras as compraram), quanto às áreas a serem desapropriadas. Eu mesmo não sei ainda a área que me será desapropriada, aguardando o contato do governo do estado para conhecê-la, o que provavelmente demore, pois sou certamente um incômodo que deve ser exemplarmente punido. Os prejuízos que isto causa não serão indenizados: a incerteza que gera a dificuldade de realizar investimentos por não saber que área será exatamente atingida, junto com a necessidade de realizá-los, e por conta própria, para antecipar as perdas de área utilizável, quando elas ocorrerem, sabe-se lá quando. Depois vêm falar de democracia e transparência!

A seguir: a Farsa do Processo de Licenciamento Ambiental

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