As desqualificações e críticas que recebi serão aqui
rebatidas. A rigor, isto seria desnecessário, já que neste blog desde 2008
venho procurado analisar e criticar as decisões e manobras que levaram ao
desperdício de recursos públicos nos investimentos nessas barragens. Basta
pesquisar e ler as diversas inserções que mostram, muitas vezes de forma
antecipada, os erros cometidos e aponta os problemas que causarão, muitos dos
quais já se materializaram.
Como sempre afirmei e mantenho: as barragens da bacia do rio
Santa Maria são péssimos exemplos de incompetência técnica, irresponsabilidade
econômica e uma farsa no que se refere ao processo de licenciamento ambiental. Neste blog apresento argumentos nunca refutados para defender esta posição.
Para facilitar a vida dos leitores, porém, resumo as
considerações realizadas nesta inserção, sendo que poderão buscar mais detalhes
na leitura de inserções prévias, caso tenham tempo e interesse.
Sobre a tentativa de deslegitimar as críticas de um desapropriado pela barragem do Jaguari
Antes de tudo, gostaria de rebater, uma vez mais, a
tentativa de me desqualificar por ser proprietário de terras a serem
parcialmente inundadas pela barragem do Jaguari. Nunca escondi isto e no
próprio blog, ao me identificar, informo esta condição.
É interessante a situação que colocam. Já ouvi de muitos
conhecidos a argumentação de que serei favorecido pela barragem. Alegam que
serei desapropriado em muito mais do que a área alagada (rigorosamente 100 m da
linha de inundação) e como não será demandado o cercamento da área
desapropriada meu gado poderá usar esta área não alagada e, portanto, perderei
muito menor quantidade de área pastejável do que a desapropriada. E que, pela
proximidade da água, meu gado terá água para beber e poderei adicionalmente irrigar
área adicional usando os valores pagos pela desapropriação, quadruplicando a
lotação, e assim tendo lucro, em vez de prejuízo.
Na verdade, o que menos me move nestas críticas que faço a
esses investimentos é a avaliação de vantagens e desvantagens que pretensamente
terei. Ainda não pensei nisto, e nem fiz os cálculos que alguns fizeram e me
passaram, talvez na tentativa de mudar minhas atitudes e argumentações contra
estas barragens. Não conseguiram. O mesmo não posso dizer dos críticos, que por
um lado tentam me desqualificar por pretensamente ser parte interessada, alegando
questões “éticas” (!!!), quando eles defendem as barragens por também serem
partes interessadas, em função dos benefícios que esperam obter, direta ou
indiretamente. Dois pesos e duas medidas, portanto.
Não os desqualifico por isto, no entanto. Acho que em
qualquer debate sempre existem interesses pessoais subjacentes às posições que
adotamos e cabe a nós nos policiarmos para não apresentarmos argumentos inconsistentes
apenas por tentarmos “levar vantagem”. O que vale, portanto, são os argumentos
apresentados e não os interesses de quem os apresenta.
Uma das razões que me leva a criticar estas obras é que na
maior parte da minha longa vida acadêmica, de mais de 35 anos, ensinei aos meus
alunos a realizar análises econômicas de projetos de recursos hídricos. Busquei
insistentemente alertar contra os vícios de análise, que acabam por favorecer
investimentos claramente inviáveis. Pois quando deixo a vida acadêmica, me defronto
com um destes investimentos no “meu quintal”, rigorosamente falando, que
apresenta todos os vícios e mais uma série de manobras, claramente motivadas
por interesses não republicanos, voltadas a justificá-lo. Seria contraditório
de minha parte aceitar algo que a vida toda procurei combater, na academia e
depois na vida profissional. Se quiserem alegar a existência de interesse
próprio, em função de prejuízos que terei por ser desapropriado, não discuto.
Não tenho certeza se os terei. Pensem o que quiserem, mas analisem, e se
puderem, rebatam meus argumentos com os seus. Assim é que se faz uma discussão
honesta.
Histórico do envolvimento com a discussão sobre as barragens
A história de minhas críticas em relação a estas barragens iniciou há muitos anos, na década dos 80’s, quando meu sogro, proprietário das terras que agora ocupo, me procurou para avaliar as notícias que falavam da barragem do Jaguari. Como era professor universitário, na área de recursos hídricos, e envolvido com avaliação econômica de projetos, procurei colocar a questão sobre a ótica econômica. Concluí que não havia viabilidade econômica nos investimentos voltados à construção de barragens-reservatórios de regularização para irrigar arroz, considerando sejam os benefícios diretos, sejam os indiretos e secundários. Procurei acalmá-lo afirmando que quando avaliações mais sérias e abalizadas fossem realizadas, estas propostas seriam rejeitadas pelos tomadores de decisão.
Hoje percebo que me faltava uma visão política – da baixa
política – sobre a questão. Anos se passaram, e volta e meia retornava a
questão, com diversas empresas sendo contratadas para estudar as barragens da
bacia do rio Santa Maria. Cheguei a obter um relatório de uma consultora
espanhola e, com dados mais atuais, e nos anos 2000 orientei uma aluna do
pós-graduação em recursos hídricos e saneamento do Instituto de Pesquisas
Hidráulicas da UFRGS, para avaliar os investimentos propostos. Os mesmos resultados anteriores foram alcançados, comprovando a inviabilidade econômica de qualquer
uma das barragens, algo em torno de 13.
Quando em 2006 assumi a fazenda, devido à idade avançada de
meu sogro, tive a surpresa de tomar conhecimento de que havia uma iniciativa de
implantar exatamente a barragem do Jaguari, juntamente com a do Taquarembó, a
despeito das avaliações que havia feito. Tudo, aparentemente, consequência de
uma seca extrema ocorrida neste ano, e de um ministro cearense da Integração
Nacional, que imaginou que no Pampa gaúcho valiam as lições que havia aprendido
em sua terra natal, onde havia sido governador: para a seca, a solução é
barragem. Faltou apenas se propor um Departamento Riograndense de Obras Contra
as Secas! Não vou entrar em detalhes aqui sobre as diferenças entre as secas
interanuais do semi-árido nordestino e as secas sazonais do Pampa, mas vale
constatar que clima, solo, economia, cultura, tudo é distinto, demandando
soluções próprias. Dentro da única visão que se aplica a ambos os casos: não de
luta contra as secas, mas se prepara para a convivência com elas.
Quando procurei me inteirar dos projetos e das avaliações
econômicas destas barragens, surgiram os primeiros problemas. Embora estas
informações devessem ser publicizadas – afinal a informação sobre investimentos
públicos é um direito da cidadania, algo tão comentado – em nenhum momento
consegui acessá-las. Ficava nítido o receio que os interessados tinham em me
passar as informações sobre os empreendimentos. O que me levou à conclusão de
que sabiam que eles não resistiriam a uma análise mais rigorosa, que sabiam que
eu podia fazer.
Continuei a luta para acessar as informações, que eram
prometidas, mas nunca apresentadas, sob a alegação que os estudos não estariam
totalmente completos. Compareci em meados de 2006 a uma reunião festiva
promovida próximo à barragem do Jaguari, no Bar da Lagoa, município de São
Gabriel. Fiz o papel de convidado incômodo, pois questionei publicamente as
autoridades federais, estaduais e municipais presentes com relação tanto à
viabilidade das barragens, quanto à falta de informações sobre as mesmas. E
nada me foi respondido a não ser que os estudos não estavam completos, isto que
já estavam com o fogo aceso para o churrasco comemorativo do lançamento das
barragens. Ou seja, se ainda não tinham os estudos, o que estavam comemorando?
Foi o que bastou para ser procurado por vizinhos, que ainda
não me conheciam, pois era recém-chegado, e que mostravam a sua indignação por
não terem sido procurados e informados sobre as consequências que estas
barragens lhes trariam, ao alagarem suas propriedades. Percebi aí a assimetria
que havia entre as informações disponibilizadas aos proprietários rurais que
seriam alagados, e os proprietários rurais – plantadores de arroz – que seriam
pretensamente beneficiados, estes reunidos no Comitê da Bacia Hidrográfica do
rio Santa Maria.
É risível, pois, a afirmação de alguns que este Comitê é o
espaço democrático para discussão destas questões. Cabe ensinar algo a eles – e
me arvoro a isto em função dos meus mais de 40 anos de experiência com comitês
de bacia em todo país, por ter participado da elaboração da lei da Política
Estadual de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul, e de mais de uma dezena de
planos de recursos hídricos de bacias hidrográficas em quase todo país: um
comitê é a instância original dos problemas de conflitos de uso de água
e de deliberação da destinação dos recursos arrecadados pela cobrança pelo
uso da água. Não existe nesse caso das barragens conflitos de uso de água e
sequer discussão sobre a destinação dos recursos da cobrança, pois ambos não
existem neste momento – ninguém paga pelo uso da água bruta na bacia do rio
Santa Maria.
Não estou discutindo se a água deve ir para este ou aquele
uso, mas sobre a viabilidade econômica, social e ambiental de investimentos
públicos, que são sustentados por recursos a fundo perdido aportados pelos
tesouros nacional – principalmente – e estadual. Estou questionando a
destinação desses recursos, que estão sendo aplicados em um “buraco sem fundo”,
como disse o repórter da Zero Hora, quando poderiam ser mais bem utilizados
para promover o desenvolvimento regional e do estado. Esta questão poderia ser
discutida pelo comitê, mas não lhe cabe deliberar sobre ela, por se
tratar de questão essencialmente técnica, que escapa ao nível de compreensão da
maioria de seus membros, e que envolve atores sociais que extrapolam a bacia
hidrográfica do rio Santa Maria. Afinal, investimentos públicos são alimentados
por impostos que são pagos por toda sociedade gaúcha e brasileira, que espera
que os decisores públicos tenham responsabilidade em suas aplicações, e deles
podem e devem cobrar isto.
Até recentemente perdurou esta falta de informação aos
proprietários que seriam alagados. A única informação que tinham era de um
documento antigo que encontrei e lhes passei, que avaliava as áreas a serem
desapropriadas de cada proprietário na região alagada, desatualizada tanto em
relação aos proprietários (muitos venderam suas propriedades desde então e
outras as compraram), quanto às áreas a serem desapropriadas. Eu mesmo não sei
ainda a área que me será desapropriada, aguardando o contato do governo do
estado para conhecê-la, o que provavelmente demore, pois sou certamente um
incômodo que deve ser exemplarmente punido. Os prejuízos que isto causa não
serão indenizados: a incerteza que gera a dificuldade de realizar investimentos
por não saber que área será exatamente atingida, junto com a necessidade de
realizá-los, e por conta própria, para antecipar as perdas de área utilizável,
quando elas ocorrerem, sabe-se lá quando. Depois vêm falar de democracia e
transparência!
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