quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O bioma pampa em risco? A plantação de pínus e eucaliptos

Entrevista à Revista do Instituto Humanitas UNISINOS, no. 247, 10/12/2007

IHU On-Line - Sendo o senhor proprietário de terras no pampa gaúcho, qual é a sua avaliação da região?
Eduardo Lanna -
O pampa tem vários aspectos de interesse. Sob o ponto de vista histórico-cultural, ali estão as origens do arquétipo do gaúcho. Toda tradição gaúcha, cultuada por tantos CTGs espalhados pelo Brasil e pelo mundo, vem do pampa: os grandes espaços, a lida com o gado, o cavalo, companheiro nessa jornada. Sob o ponto de vista paisagístico, trata-se de uma das mais belas paisagens do mundo, que emociona a todos que têm o privilégio de conhecê-la. A BR 293, que corta o pampa no sentido Leste-Oeste, de Pelotas a Quaraí, apresenta aos seus viajantes um cenário do qual nunca irão esquecer. Sob o ponto de vista ambiental, além de ser o único bioma brasileiro que se manifesta em um só estado, o Rio Grande do Sul, são poucas as regiões no mundo que apresentam esta enorme diversidade de espécies campestres. Em termos florísticos, são cerca de 450 espécies de gramíneas forrageiras e mais de 150 espécies de leguminosas, sem contar as compostas e outras que totalizam cerca de 3000 espécies, ensinam professores do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A fauna é composta por grande número de pássaros e animais de pequeno porte, peixes, anfíbios, répteis, mamíferos etc. Sob o ponto de vista econômico, existe uma enorme oportunidade representada pela produção de carne de gado bovino, em campos naturais com grande diversidade, sem necessidade de suplementação alimentar, o que lhe confere um sabor especial, sem igual. É a melhor carne do mundo, que o mercado sofisticado dos países mais desenvolvidos deseja consumir e pagar por isto. Bem manejado, e com melhorias no campo nativo representadas pela correção de acidez, adubação e plantio de espécies hibernais, pode-se atingir produções de 1000 kg por ano de carne de qualidade extraordinária em cada hectare, de acordo com pesquisas realizadas pelo Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS. Com a carne valendo atualmente mais de R$ 2,20 o quilo, isto representa mais de R$ 2.200,00 de receita bruta por hectare em cada ano, bem mais do que em qualquer outra atividade nesse bioma, incluindo a agricultura e a silvicultura.

IHU On-Line – O pampa comporta a demanda das culturas de pínus e eucalipto?
Eduardo Lanna -
Se ele comporta o pínus e o eucalipto a resposta mais evidente é: para quê? Para que transformar este ambiente único que temos ainda o privilégio de conhecer em um “deserto verde” de plantações de árvores que não são naturais na região? Para que comprometer a diversidade biológica, alterar a belíssima paisagem, transformar radicalmente o ambiente de formação do gaúcho por uma atividade cuja rentabilidade não alcança a do campo bem manejado, e cuja continuidade se resume a algumas poucas décadas? O que será das áreas florestadas daqui a 20 anos, quando o pínus e o eucalipto de rebrote não mais serão economicamente viáveis, e quando toda a diversidade biológica atual estiver extinta? Como promover a recomposição desses campos? E a que custos? Que explicações os que defendem a silvicultura na região darão para seus netos?

IHU On-Line - Como o senhor percebe a utilização de grandes potenciais hídricos utilizados para a irrigação de eucaliptos? A água de qualidade encontrada no pampa gaúcho deveria ser utilizada para outro fim?
Eduardo Lanna -
Não consta que o eucalipto será irrigado na região, mas, sem dúvida, é um grande consumidor de água, comparado ao campo nativo que vai ser eliminado. Essa região apresenta, em boa parte do ano, balanço hídrico deficitário. Ao se introduzir uma espécie conhecida por seu grande consumo de água, expressivamente maior do que o consumo do campo nativo, a tendência é o agravamento das condições de suprimento aos usuários atuais de água, como a orizicultura e o abastecimento das cidades. A água do pampa já está quase que totalmente comprometida com os atuais usuários, e a situação deles certamente será agravada, tanto mais quanto maior for a área destinada à silvicultura. E ocorre aí um ciclo perverso: a escassez de água regional - ao contrário de impedir o ingresso de atividades que a usam de forma intensa, como o plantio de eucalipto, ou controlar a irrigação perdulária de arroz - levará à decisão de se construir reservatórios de regularização (barragens). Essas barragens inundam mais campos nativos e ensejam o incremento das áreas irrigadas de arroz, que invadem Áreas de Proteção Permanente, ou seja, as várzeas ribeirinhas aos rios e arroios da região, reduzindo outras áreas com expressivo valor ambiental. Tudo isto contribui para grandes alterações do pampa, que trazem o risco de descaracterizá-lo.

IHU On-Line - O eucalipto é uma planta que demanda muita necessidade de água. Pensando em possíveis períodos de escassez hídrica no pampa, a introdução dessas monoculturas afetará o manancial hídrico da região? De que maneira?
Eduardo Lanna -
Certamente haverá alterações. Existem estudos em vários países que constataram isto. Mesmo no Brasil, existiram áreas úmidas que foram secadas com emprego de eucalipto – aliás, comenta-se ser um bom uso para essa espécie: secar áreas úmidas. O problema é que são poucas as pesquisas na região e por isto os impactos que serão causados não foram ainda avaliados. Desta forma, um bioma pouco conhecido como o pampa está em risco de ser altamente alterado antes que sejam avaliadas as conseqüências nefastas para a sociedade atual e para as gerações futuras.

IHU On-Line - As empresas de celulose, apropriando-se de áreas próximas ao Aqüífero Guarani podem colocar em risco esse reservatório de água doce?
Eduardo Lanna -
Deve ser reconhecido que o aqüífero Guarani é um gigantesco reservatório subterrâneo de água doce e que há uma desproporção entre o grande uso de água que será consumida pelo eucalipto e essas gigantescas reservas existentes. Ocorre, porém, que, ao contrário do que existe no imaginário das pessoas, esse grande reservatório não é algo contínuo. Existem inúmeros compartimentos não comunicáveis entre si, que foram criados pelos movimentos tectônicos. Desta forma, pode ser considerada a hipótese de que áreas expressivas com eucaliptos se localizem sobre compartimentos isolados do aqüífero Guarani que serão afetados. Isto é particularmente mais grave devido ao fato de que as áreas de recarga do aqüífero são, via de regra, áreas com solo arenoso que apresentam poucas alternativas de uso além da pecuária e silvicultura e, por isto, tem menor valor de mercado. São essas as áreas preferidas pela silvicultura, já que o pecuarista ainda não se deu conta do potencial de uso do campo nativo e, por isto, o mercado não valorizou como deveria as áreas destinadas à pecuária. Desta forma, embora não existam estudos a respeito, não são descartáveis as possibilidades de haver o risco que a pergunta menciona.

IHU On-Line - Com a implantação da monocultura de pínus e eucalipto no pampa gaúcho, poderá se decretar o fim da atividade pecuarista na região?
Eduardo Lanna -
Depende muito como ocorrerá. Não acredito que o pampa todo seja ocupado por eucalipto e pínus. Desta forma, sempre sobrará alguma área para a pecuária. No entanto, insisto: não é aceitável que áreas de expressivo valor histórico, cultural e ambiental, e grande potencial econômico, sejam alteradas para dar lugar a atividades que economicamente não são tão rentáveis quanto uma pecuária moderna, que aproveite as enormes vantagens comparativas do pampa, para produzir a carne que o mundo deseja consumir.

IHU On-Line - Podem surgir problemas e conseqüências socioeconômicas e ambientais com o aumento da plantação de eucaliptos?
Eduardo Lanna -
A esse propósito, cabe comentar que existe um estudo muito abrangente realizado pela Fepam, pela Fundação Zoobotânica e pelo Departamento de Florestas e Áreas Protegidas do estado do Rio Grande do Sul, com apoio de especialistas de várias universidades, que definiu 45 Unidades de Paisagem Natural – UPN e indicou, por meio de uma matriz de vulnerabilidade, 12 UPN com baixo grau de restrição à silvicultura, 15 com médio grau e 18 com alto grau de restrição. Ele foi chamado de “Zoneamento Ambiental para Atividade de Silvicultura no Rio Grande do Sul – ZAS”. Por que o estado, que elaborou este estudo com alto nível de qualidade, não o adota como referência para licenciamento? Não estou aqui me colocando em uma posição extrema contra o eucalipto. Acho que nas 12 UPNs com baixo grau de restrição não haveria maiores problemas para o seu plantio, desde que adotadas as precauções mínimas que o ZAS determina. O mesmo poderia ocorrer nas 15 UPNs com médio grau de restrição, em que as precauções serão maiores. Por que insistir em ocupar parte das 18 UPNs com alto grau de restrição? Por que não considerar este estudo, elaborado pelo próprio estado, como base para o licenciamento? A razão é que por alguma razão ele não agradou às empresas de celulose e às de silvicultura. Por que razão? Certamente por questões econômicas. Muitas se anteciparam e adquiriram vastas extensões de terra baratas no pampa com a perspectiva de implantação de florestas de eucalipto. Correram um risco, pois na época não havia o ZAS, e não querem perder com suas apostas. Estão comprometendo ambientes de expressivo valor ambiental e cultural, e com grande potencial econômico, reafirmo, apenas levando em consideração o aumento de seus lucros imediatos. Para amenizar declaram, como recentemente, que usam apenas metade das áreas que adquiriram: se essas estão nas 12 UPNs com baixas restrições, possivelmente estaria tudo bem. Mas se estiverem – e muitas estão – nas 18 UPN com alta restrição à silvicultura, deixar metade sem eucalipto é muito pouco.

IHU On-Line - Em que consiste o trabalho da Apropampa? Essa atividade pode ser uma alternativa a silvicultura?
Eduardo Lanna -
A Apropampa é uma associação cultural, social e de pesquisa, sem fins lucrativos, formada por produtores rurais, indústria frigorífica, varejo e outros agentes ligados à cadeia da bovinocultura de corte de forma direta ou indireta, e que tem como o seu principal objetivo a preservação e proteção da indicação geográfica da carne, couro e seus derivados, da região “Pampa Gaúcho da Campanha Meridional”. Entre outros objetivos, existe o de ofertar produtos da pecuária bovina de corte com garantia de origem e qualidade – a certificação de origem - ao consumidor. Por meio da implementação de processos de qualidade, agregar valor aos agentes envolvidos na cadeia produtiva da pecuária bovina de corte. De grande relevância, a Apropampa pretende desenvolver ações que promovam a organização e preservação do pampa gaúcho da Campanha Meridional, promovendo estudos e agindo junto às autoridades competentes para o atendimento deste objetivo, além de estimular e promover o potencial turístico da região, bem como o aprimoramento sociocultural dos associados, seus familiares e comunidade. Maiores informações podem ser obtidas na página www.carnedopampa.com.br.

Em outras palavras: a Apropampa visa à promoção do desenvolvimento sustentável do pampa, na região por ela demarcada, por meio da atividade que melhor concilia o crescimento econômico com a proteção ambiental que é a bovinocultura de corte.

Como comentei antes, a pecuária de corte nessa região produz a melhor carne do mundo e, havendo um bom manejo, pode chegar a produzir 1000 kg de carne por hectare, em cada ano. Nem a silvicultura ou a agricultura de arroz ou soja, milho etc. podem ser tão rentáveis nessa região. E, o que é também importante, é possível conciliar a pecuária de corte com a proteção ambiental do pampa, mantendo e ampliando os serviços ambientais que presta. Já nos outros casos, isso não ocorre, muito pelo contrário.

IHU On-Line - Sendo o pampa gaúcho um dos ecossistemas mais importantes do estado, ele corre o risco de sofrer degradações ambientais irreversíveis devido ao excesso de eucaliptos?
Eduardo Lanna -
Sem dúvida. Após 20 anos de silvicultura, resta um solo que não mais produz eucalipto com valor comercial, com os tocos e raízes profundas que sobraram. Quem vai retirar isto e a que custo? Quanto tempo levará até que o solo se reconstitua? E o campo nativo, quando será recuperado? Poucos se preocupam com isto, aparentemente. E isto, mais uma vez, poderia ser evitado simplesmente fazendo com que o governo do Estado, e as empresas de celulose e de silvicultura, aceitem o “Zoneamento Ambiental para Atividade de Silvicultura no Rio Grande do Sul” – ZAS, elaborado pelo governo passado como diretriz para o licenciamento da silvicultura. Como já comentei antes, esse estudo permite o plantio de eucalipto em grandes extensões representadas pelas 12 UPN com baixas restrições ambientais ou, mesmo, nas 15UPNs com médias restrições. Não acatar o ZAS é desmerecer o trabalho de um grande contingente de técnicos do Estado, altamente preparados, que elaboraram o estudo por encomenda do governo passado. É pensar o futuro com uma visão imediatista, esquecendo as futuras gerações. É possível conciliar a proteção do pampa com a silvicultura: bastaria aceitar o que recomenda o ZAS. O governo atual, caso não mude as suas políticas nessa matéria, terá que carregar a acusação de grande negligência ambiental. As empresas de celulose e de silvicultura podem ser acusadas de insensibilidade ambiental e irresponsabilidade social, por conta de expectativas de lucros excessivos.

IHU On-Line - Problemas com o plantio de eucalipto ocorrem apenas no Rio Grande do Sul ou se estendem até o Uruguai e Argentina? Como o senhor percebe as políticas públicas desenvolvidas nestes dois países?
Eduardo Lanna -
Tenho poucos detalhes sobre as políticas que nossos irmãos do Prata adotam nesse sentido, mas me parece não serem muito diferentes daquelas que estão sendo adotadas no Rio Grande do Sul. A “Guerra das Papeleiras”, que está colocando a Argentina e o Uruguai em acirradas discussões, mostra que os problemas vão além das fronteiras brasileiras. É todo o pampa, que se entende a estes países, que se encontra ameaçado. Infelizmente, as grandes organizações da cadeia de celulose descobriram essa região excepcional, que, além de grande produtividade na cultura de eucalipto, tem a favor delas o relativamente baixo custo das terras, devido à pecuária pouco tecnificada nelas praticada. No entanto, a qualidade da carne que aqui se produz é conhecida mundialmente. Falar de carne argentina ou uruguaia é atestar essa qualidade. E a carne que produzimos no pampa gaúcho em geral, e a carne que produzimos na Apropampa, em especial, em nada difere da carne dos nossos vizinhos. Talvez devêssemos nos unir nesse esforço de valorizar a carne produzida nesses campos, divulgando as técnicas de manejo que permitem alcançar rentabilidades superiores à da silvicultura, como forma de controlar o avanço da degradação desses campos. A UFRGS já faz isto, ao promover anualmente um simpósio de forrageiras e produção animal voltado para a sustentabilidade produtiva do bioma pampa. Essas informações precisam ser compartilhadas e assimiladas por todos: os pecuaristas de todos os países e os seus governantes. As futuras gerações certamente nos cobrarão pela omissão.

Obra sobre as papeleiras e o eucalipto no Pampa será lançada amanhã, na Feira do Livro de Pelotas

Fonte: Ecoagência Solidária
"Eucalipitais – Qual Rio Grande do Sul que desejamos?” é uma coletânea de textos e artigos de diversos autores sobre as indústrias papeleiras e os grandes projetos de plantio de eucalipto na Metade Sul do Estado, organizada por Althen Teixeira Filho, doutor e professor titular do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Pelotas.
O título tem essa grafia mesmo, fazendo trocadilho com os "capitais" das grandes papeleiras. A obra será lançada amanhã, sexta-feira, às 18 horas, na 36ª. Feira do Livro de Pelotas, na Livraria Mundial.
Segundo o organizador, é um livro que resulta de seminários, debates abertos feitos por professores de quatro universidades federais do Rio Grande do Sul (Pelotas, Santa Maria, Rio Grande e Porto Alegre), além de Unijuí, pesquisadores da Embrapa Clima Temperado e economistas.
“Várias vezes reunidos, discutimos um tema que quer ser controverso, mas não o é. Trata-se da proposta de inundar o Estado com oceânicas lavouras de eucalipto e das empresas papeleiras, melhor denominadas de pasteiras”, diz Althen, na apresentação do livro.
“O nosso Rio Grande do Sul está sendo desfigurado só para atender sociedades altamente consumidoras de papel”, afirma Althen, que completa: “Oferecemos reflexões baseadas em informações que são omitidas por governos, políticos e instituições”.
O livro será distribuído gratuitamente às escolas de primeiro e segundo graus, bibliotecas, universidades, centros de pesquisa e está disponível sem custos na internet (http://www.semapirs.com.br/ / http://www.sintrajufe.org.br/). O financiamento para impressão, segundo o organizador, veio de sindicatos de trabalhadores.
Por Ulisses A. Nenê, para a Ecoagência, www.ecoagencia.blogspot.com.

sábado, 8 de novembro de 2008

Bioma Pampa agredido pelas barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó

Denúncia do Movimento Gaúcho de Defesa do Meio Ambiente
Fonte:
Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do RS

O governo federal e o estadual do Rio Grande do Sul vêm anunciando a construção de duas de cerca de uma dúzia de barragens na bacia do rio Santa Maria, no bioma Pampa: as do arroio Jaguari (municípios de Lavras do Sul e São Gabriel) e Taquarembó (municípios de Dom Pedrito e Lavras do Sul). Essas barragens, que inundarão áreas importantes quanto à biodiversidade e a presença de espécies endêmicas, servirão para disponibilização de água para irrigação do arroz, primordialmente. A cultura de arroz gera outro impacto, ao eliminar áreas de preservação permanente - APP, localizadas nas várzeas fluviais. Portanto, as barragens geram um duplo impacto: pelo alagamento de áreas com grande biodiversidade e pela ocupação com o arroz de APPs. Recentemente foram apresentados os Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) desses empreendimentos. Chamam a atenção a má qualidade, as omissões, e as falhas diversas que apresentam o que, por si só, seriam mais que suficientes para torná-los inaceitáveis. Alguns pontos mais expressivos:

Serão mais de 1.132 hectares de florestas de galeria que deverão ser suprimidas ou sucumbirão com estas duas obras. Uma fauna raríssima e ameaçada, e as florestas mais contínuas (Matas em Galeria) da região do Pampa desaparecerão. Na área prevista para o alagamento das barragens 1.579.106 árvores nativas deverão ser suprimidas. Esta quantidade corresponde ao total de árvores que ocorre nas ruas de Porto Alegre, cidade considerada mais arborizada do Brasil. A grande maioria de espécies que não existe em nenhum viveiro do Estado.

Os estudos de impacto não fazem referência as espécies da flora ameaçada de extinção pelo Decreto Estadual 42.099/2002. Corticeiras, figueiras, araucárias e outras espécies que sendo retiradas exigem reparações não foram contabilizadas, embora existam em grande número nas áreas a serem inundadas. Os levantamentos são insuficientes, com amostragens escassas (apenas 80 árvores), não tendo amostragens quantitativas de campo.

Nestas áreas existem espécies de fauna de mamíferos ameaçados como gato maracajá (Leopardus wiedii), veado catingueiro (Mazama gouazoupira), gato-do-mato (Oncifelis geofroy), entre outros.

Chama a atenção nesse processo de licenciamento ambiental dessas barragens o lamentável comportamento do governo do RS e dos dirigentes de seu órgão ambiental, a FEPAM. Eventos que deveriam constranger a sociedade gaúcha foram perpetrados na ânsia de aprovar, de qualquer maneira, essas obras, sem qualquer análise técnica, econômica, social e ambiental criteriosa.

As práticas censuráveis foram iniciadas em 20 de março de 2007 por um anúncio no Diário Oficial do RS, em sua página 16, disponibilizando os EIA/RIMAS das barragens na biblioteca da FEPAM para consulta. Foi constatada uma tentativa grosseira de apresentar relatórios carentes de conteúdo técnico como se fossem RIMAs. Uma nota manuscrita deixada em protesto na biblioteca da FEPAM foi suficiente para a retirada dos pretensos RIMAs e a afirmação do seu na época presidente de que eles nunca existiram.

Não melindrada pelo ocorrido, em agosto de 2007, a FEPAM emitiu “Licenças Prévias de EIA-RIMA” que autorizaram, sem haver necessidade para tal, a “continuidade do procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio” dos empreendimentos das barragens do arroio Jaguari e Taquarembó. Este tipo de licença não faz parte dos documentos que são requeridos pela legislação ambiental; dar continuidade ao “procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio” é uma obrigação e razão de ser da FEPAM para o qual não há necessidade de autorização. O que foi mais grave é a exigência de publicação no “Diário Oficial do Estado e em periódico diário de grande circulação regional na área do empreendimento”, o pedido de licenciamento, “informando que a FEPAM emitiu Licença Prévia para continuidade do licenciamento, através do instrumento EIA-RIMA”. Ou seja, o objetivo era tão somente iludir a terceiros (possivelmente o Governo Federal que financia os empreendimentos pelo PAC) levando ao entendimento equivocado que as Licenças Prévias haviam sido efetivamente emitidas. Isso motivou ao Ministério Público Estadual acionar a justiça que suspendeu, liminarmente, essas licenças.

Como conseqüência, foi homologado no final de 2007 um Termo de Ajuste de Conduta – TAC entre o Governo do RS e o MPE. O item 5 das resoluções é constrangedor: “a FEPAM se compromete a impedir o início de qualquer obra referente aos empreendimentos enquanto não finalizado todo o processo de licenciamento de instalação”. Um item dispõe que a FEPAM, “na eventual concessão das LPs ....”; ou seja: no TAC está claro que as LPs não foram emitidas.

Finalmente: em Junho de 2008 os EIA/RIMA foram apresentados e para as suas elaborações foi contratada a empresa de consultoria Beck de Souza Ltda. Cabe alertar que Estudos Prévios de Impacto Ambiental são legalmente normatizados no estado do Rio Grande do Sul pelo Código Estadual de Meio Ambiente, instituído pela Lei Estadual nº 11.520, de 03 de agosto de 2000. Nesta lei - visando a evitar que a empresa contratada para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental de um empreendimento seja “contaminada” pela vontade de aprová-lo face à sua captura pelos interesses do empreendedor, como parece ter ocorrido no caso das barragens aludidas, de forma objetiva ou subjetiva - é disposto que a empresa contratada deve ser não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto. Ela também não poderá prestar serviços ao empreendedor, ... ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) (art 76).

A consultora contratada tem um longo envolvimento com esses empreendimentos, o que deveria inabilitá-la para elaborar os seus EIA/RIMAs à luz da legislação. A saber:

1. Em 2001, a empresa Beck de Souza Engenharia Ltda apresentou um estudo à Secretaria de Obras Públicas e Saneamento – SOPS que foi posteriormente apresentado como um pretenso Rima da barragem do Jaguari, em março de 2007.

2. Em 22 de Julho de 2004 a consultora foi contratada pela SOPS para “Execução dos serviços de consultoria, compreendendo apoio gerencial e operacional, elaboração de estudos técnicos, programas ambientais, diagnósticos, prognósticos, planos, sistemas, programas de qualidade e projetos, no âmbito da SOPS”. Muitos desses estudos, amparados por este contrato “guarda-chuva”, dizem respeito a partes do projeto das barragens dos arroios Jaguari e do Taquarembó, o que pode ser facilmente verificado nos processos administrativos da SOPS. A rigor, a consultora se tornou um “escritório de projetos” para a SOPS, tratando de adaptações e atualizações nos projetos desses empreendimentos, originalmente propostos por outras empresas, entre outras tarefas. Essa atividade, iniciada em 2004 teve seqüência ao longo do tempo, por meio de aditivos diversos muitos dos quais visaram a adaptação dos projetos das barragens.

3. Finalmente, em 28 de junho de 2007, houve o quarto aditamento, que “visa aditamento de acréscimo de serviços com vistas ao atendimento ao constante dos Termos de Referências, integrantes deste processo, referentes aos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA – RIMA dos Sistemas que compõem todos os empreedimentos das Barragens dos Arroios Jaguari e Taquarembó, na Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria, Metade Sul do Estado, conforme acréscimos descritos na Cláusula Segunda deste aditivo”.

Logo, a consultora mencionada, que foi contratada em 2004 para servir de escritório de “serviços de consultoria ... e projetos” pela SOPS, atuando nas diversas alterações e adaptações dos projetos das barragens do Jaguari e do Taquarembó, foi adiante contratada para elaborar o estudo de impacto ambiental de ambos os empreendimentos, - o que é ainda mais grave: pelo mesmo instrumento - em flagrante e inequívoca contradição ao que dispõe o Código Estadual de Meio Ambiente, em seu art. 76.

Pelas razões amplamente demonstradas e que podem ser comprovadas por publicações no Diário Oficial do Rio Grande do Sul, e que poderão ser ainda mais aprofundadas em consultas aos processos da SOPS relativos ao contrato com a consultora, fica caracterizado que ela, responsável pela elaboração do EIA/RIMA das barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó:

1. dependia diretamente do proponente do projeto, em função de contrato guarda-chuva que vigia desde 2004, com objetivo de adaptar e alterar o projeto dos empreendimentos, entre outras funções;

2. prestou serviços ao empreendedor, simultânea e diretamente, ou por meio de membros da equipe técnica que elaborou os estudos, como projetista ou executora de serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), tendo como vínculo o mesmo contrato que amparou a elaboração do EIA/RIMA;

3. e, em função desses fatos, não possui a independência necessária e legalmente requerida pelas normas legais para produzir um estudo de impacto ambiental dos empreendimentos em apreço.

CONCLUSÃO FINAL

Diante desses fatos, o bom senso, o espírito público e a obediência à legislação impõem:

1. Que a FEPAM inabilite os EIA/RIMAs dos empreendimentos das barragens do arroio Jaguari e do arroio Taquarembó como peças para análise dos impactos ambientais desses empreendimentos;

2. Que a FEPAM determine ao empreendedor, a SOPS, que promova a contratação de outra empresa real e comprovadamente independente, para realização de novos EIA/RIMAs;

3. Que a FEPAM, nos Termos de Referência que deverá elaborar para os novos EIA/RIMAs, assegure-se que sejam estes estudos sejam preparados com maior consistência e rigor técnico, dirimindo os problemas que foram brevemente apontados e outros facilmente constatáveis em uma análise mais apurada do material apresentado.

Finalmente, urge que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental volte a ser um órgão que promova efetivamente a proteção ambiental do estado, como diz seu próprio nome, e possa de novo merecer a confiança do povo gaúcho nas questões ambientais.

domingo, 26 de outubro de 2008

Justiça freia avanço da monocultura de eucalipto no Pampa

Fonte - Reportagem: Raquel Casiraghi,
http://www.agenciachasque.com.br/

Decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determina que as novas licenças para plantio de pínus e eucalipto devem obedecer critérios do zoneamento proposto por técnicos da Fundação Zoobotânica. O representante do Ibama no Consema Marcelo Madeira avalia que medida impede a proliferação da monocultura no Pampa, mas alerta para jogo de interesses no conselho.


Porto Alegre (RS) - A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu, por unanimidade, que as monoculturas de pínus e eucalipto deverão respeitar os critérios de zoneamento propostos por técnicos da Fundação Zoobotânica. A decisão vale para as próximas licenças ambientais a serem concedidas pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), sob pena de pagar multa de R$ 10 mil a cada licença liberada irregularmente.

A relatora do processo, desembargadora Agathe Elsa da Silva, justifica que o Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS) aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) carece de limites objetivos ao plantio de pínus e eucalipto. Ela avalia que o zoneamento ficou vazio como instrumento de orientação para as licenças ambientais e considerou que as regras propostas pelos técnicos da Zoobotânica são mais adequadas.

O representante do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) no Consema, Marcelo Madeira, diz que a decisão da Justiça contribui na preservação do Pampa, um dos biomas mais almejados pelo setor da silvicultura para os mega plantios.

"Normalmente são áreas ainda de campo nativo, consideradas menos nobres porque não são áreas aptas a cultivos agrícolas como soja e milho. Tendem a ser áreas por pecuária extensiva. E por isso a nossa preocupação que esses plantios se dêem em cima dos campos. Além disso, é um bioma extremamente rico. Nós temos mais de três mil espécies de plantas somente no RS. Só de mamíferos, são mais de cem", diz.

A proposta dos técnicos da Fundação Zoobotânica divide o Rio Grande do Sul em 45 unidades de paisagem natural. Destas, quatro estão totalmente vedadas para as monoculturas de pínus e eucalipto, todas no Bioma Pampa. As demais variam conforme o grau de vulnerabilidade. As novas regras são um meio termo entre o projeto original feito pela Fundação e pela Fepam no final de 2006, considerado mais rígido e que teve forte resistência de empresas e do agronegócio, e o projeto sem regramento aprovado pelo Consema.

Madeira também avalia que a proposta dos técnicos da Zoobotânica é a mais adequada, já que foi formulada a partir de diversas reuniões e de consensos na Câmara Técnica de Biodiversidade e Florestas do Consema. Mas teme que sofra novas alterações quando for reavaliada no conselho. Isso porque a pressão de empresas e de setores ligados à silvicultura é forte no órgão e resultou no desregramento do Zoneamento Ambiental.

"Infelizmente, a sociedade gaúcha, e eu incluo os órgãos ambientais como o Ibama, só começou a olhar com mais atenção para esse bioma no momento em que houve uma ameaça maior. Hoje em dia não há como negar que a silvicultura, se não for adequadamente conduzida, tende a ter impactos grandes no bioma.

A decisão da Justiça atendeu à ação civil pública movida pela promotora de Justiça Ana Maria Marchesan, do Ministério Público Estadual.

sábado, 18 de outubro de 2008

O antes e o depois

Na RS 630, São Gabriel-Dom Pedrito, duas realidades: o eucalipto invadindo áreas de campo nativo com enorme biodiversidade ...

e o resultado após o corte das árvores.

Imagens que por si só, mostram as razões para se defender esse bioma único contra a implantação indiscriminada da monocultura de eucalipto.

Licenças Prévias sem Estudo de Impacto Ambiental

Reportagem da EcoAgência (http://ecoagencia.blogspot.com/) detalha alguns descalabros já denunciados nesse blog. Abaixo, a íntegra do material:

Sexta-feira, 17 de Outubro de 2008
Consema/RS cobra explicações da Fepam sobre Licenças Prévias sem Estudo de Impacto Ambiental

Na reunião mensal do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), hoje, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) foi cobrada por conselheiros pelo fato de estar concedendo licença prévia a empreendimentos sem os estudos de impacto ambiental (EIA).

Foram citados os casos da Usina Termelétrica da Ellocim Brasil Participações e Consultoria Empresarial Ltda., em Osório, uma Usina Termelétrica a carvão em Candiota, as barragens de irriguação de Taquarembó e Jaguari, o Sistema de Abastecimento de água de Caxias do Sul e a nova Unidade de Eteno da Brasken, no Pólo Petroquímico de Triunfo.

Todos são considerados, pelos conselheiros que se manifestaram, empreendimentos de grande impacto ambiental e não tiveram EIA para a concessão de LP.

Tanto a Lei Estadual 11.520/00 como a 10.330/94 “tratam do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, que portanto, devem (sic) ser apresentados PREVIAMENTE à expedição de qualquer licença ambiental”, diz documento encaminhado por quatro ONGS, ao presidente do conselho, Francisco da Rocha Simões Pires, e conselheiros.

Conama

O documento cita também a Constituição Federal, a legislação da Política Nacional do Meio Ambiente e as Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente 01/86 e 237/97.

O Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Associação Gaúcha de Proteção Ambiental (Agapan), Mira-Serra e Núcleo Amigos da Terra – Brasil solicitaram a listagem completa dos empreendimentos licenciados sem EIA/Rima e a cópia das licenças emitidas, que não estariam disponíveis no site da Fepam.

As explicações já haviam sido solicitadas mês passado mas, alegando que as informações não havia sido ainda repassadas pela Fepam, a direção do Conselho não havia colocado o assunto em pauta.

Porém, a diretora técnica da Fundação, Maria Elisa dos Santos Rosa, disse que teria explicações sobre alguns tópicos e a discussão foi aberta, tomando a maior parte do tempo da reunião.

Primeira etapa

Ela disse que a Licença Prévia é apenas a primeira etapa do licenciamento, e que pode ser revogada posteriormente, caso os empreendedores não preencham as exigências ambientais.

Disse também que a Braskem está dentro da área de amortecimento da Copesul, no Pólo Petroquímico, e que as termelétricas só vão funcionar em períodos críticos de demanda de energia.

“Temos total transparência, podemos até errar, mas as informações estão disponíveis para todos”, garantiu.

Procurada, ao final da discussão, para explicar melhor e dar mais detalhes, a diretora alegou que estava nervosa e pediu para ser entrevistada segunda-feira.

Mudança de atitude

Mas não escapou de ser muito criticada por causa das LPs. Lúcia Ortiz, do NAT-Brasil, afirmou ao plenário do Consema, lotado, que houve uma mudança de atitude da Fepam quanto ao licenciamentos, nesta gestão, e que isso precisa ser esclarecido.

Ela lembrou que, por exemplo, uma termelétrica consome 30 vezes mais água que toda a população de Bagé, na região onde pretendem instalar mais uma usina à carvão e onde já há graves ocorrências de déficit hídrico, sem contar a poluição atmosférica e a chuva ácida que ela provocaria.

“Existe a necessidade de produção de mais energia, mas poderíamos trabalhar com energias bem mais limpas (que o carvão)”, afirmou o representante do Sindicato dos Engenheiros, Luiz Germano da Silva, respondendo a uma indagação do conselheiro da Agapan, professor Flávio Lewgoy, que lembrou da possibilidade de outras tecnologias, como os parques eólicos.

Leilão de energia

Segundo Káthia Vasconcelos Monteiro, do Movimento Integridade, a pressa na concessão de Licença Prévia para as termelétricas, sem os estudos de impacto ambiental, foi para habilitar os empreendedores a participarem dos leilões de energia, já que a LP é uma exigência da Aneel.

Ela alertou, porém, que não há nenhum caso de licença prévia que tenha sido concedida e depois revogada, “é a política do fato consumado”, advertiu.

E se a revogação acontecesse neste caso, completou, o Estado poderia sofrer demandas judiciais em função dos contratos já assumidos pelos empreendedores para fornecimento de energia.

Espécies ameaçadas

Sobre as barragens, o biólogo Paulo Brack, do Ingá, advertiu que elas vão inundar mais de três mil hectares, dos quais 1.100 hectares de florestas com espécies ameaçadas de extinção, como o gato do mato, e o corte de mais de 1,5 milhão de árvores.

Ele chegou a sugerir que o Consema assumisse na reunião posição contrária a qualquer concessão de LP sem o EIA. Mas, por sugestão do representante do Sindicato dos Engenheiros, na próxima reunião do Consema deverão ser apresentandos pela Fepam todos os esclarecimentos sobre as licenças prévias já concedidas, com a documentação correspondente, além de uma análise do tema sob o aspecto legal.

Ninguém dos conselheiros – são 29 – se pronunciou para defender as LPs da forma como estão sendo concedidas pela Fepam.

Por Ulisses A. Nenê, da EcoAgência. Reprodução autorizada, citando-se a fonte.

sábado, 13 de setembro de 2008

Nenhuma surpresa!

O Jornal Zero Hora de 13/9/2008 levanta suspeitas que não surpreendem a qualquer observador mais atento. As barragens do Jaguari e do Taquerembó, como é amplamente demostrado nesse blog, não apresentam qualquer justificativa econômica ou social, e ainda causam enormes impactos ambientais. Para que, ou quem, afinal, elas servem? A reportagem abaixo talvez traga nexo a essa questão. Aguardemos o pronunciamento da justiça que, nesse caso, parece ter tardado mas, esperamos, não falhará.

Fonte: Zero Hora 13 de setembro de 2008

OPERAÇÃO SOLIDÁRIA: Investigação chega à Secretaria de Obras

Licitação para obra de duas barragens está sob suspeita

A secretária adjunta e diretora-geral da Secretaria Estadual de Obras Públicas, Rosi Bernardes, é uma das investigadas da Operação Solidária.

Ela é suspeita de repassar informações privilegiadas referentes a licitações. Um dos negócios em que ela teria interferido é o que se refere à construção e fiscalização das barragens de Jaguari e Taquarembó, cujo investimento total previsto é de cerca de R$ 150 milhões.

Considerado o maior investimento para recursos hídricos no Estado, o projeto tem 70% de recursos oriundos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Conforme autoridades, o deputado federal Eliseu Padilha (PMDB), também investigado, teria atuado para direcionar a licitação.

Um dos focos da apuração da Solidária é a interferência de deputados em licitações. Ao garantirem o sucesso de determinadas empresas, eles receberiam benefícios. Além de Padilha, são citados no inquérito o deputado federal José Otávio Germano (PP), o presidente da Assembléia Legislativa, Alceu Moreira (PMDB), e o secretário da Habitação, o deputado estadual licenciado Marco Alba (PMDB).

A suspeita em relação a Rosi Bernardes é de que tenha favorecido o esquema com informações privilegiadas. Ainda está sendo apurado se ela obteve benefícios com isso.

Secretária adjunta teria dado informações a empresas

Na decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello em que foi autorizada a investigação de Padilha e José Otávio, o nome de Rosi consta em uma lista de investigados que tiveram o telefone celular interceptado com autorização judicial.

Pessoas que já tiveram acesso ao teor da investigação confirmam que foram flagradas tratativas envolvendo as barragens. Depois de publicados os avisos de abertura de licitações para a fiscalização das obras e construção das barragens (no Diário Oficial, em maio), teria havido reação negativa de interessados em direcionar o negócio. Em uma conversa gravada, um interlocutor disse que, do jeito que estavam os editais, “toda a torcida do Flamengo poderia participar” da disputa.

Depois da conversa, foram publicados no Diário Oficial avisos de prorrogações de prazos devido a alterações nos editais, o que levantou suspeitas de direcionamento da licitação. Empresas habilitadas na disputa estão na investigação da Operação Solidária.

ADRIANA IRION

Entenda o caso
9 de maio
São publicados na página 40 do Diário Oficial dois avisos de licitações (editais 024/08 e 025/08) cujos objetos são a contratação de empresa para a prestação de serviços de detalhamento do projeto de engenharia, elaboração do plano básico ambiental, supervisão e apoio à fiscalização das obras das barragens do Arroio Taquarembó e do Arroio Jaguari.
30 de maio
São publicados na página 36 do Diário Oficial dois avisos de licitações (editais 029/08 e 030/08) cujos objetos são a contratação de empresas para serviços necessários à construção das barragens do Arroio Taquarembó e do Arroio Jaguari.
6 de junho
São publicados quatro avisos de prorrogações de prazo referentes às licitações noticiadas em 9 e 30 de maio. A justificativa para as prorrogações é por ter havido “alterações nos editais”.

O PROJETO
– Para a lavoura, significa redução do risco de perdas com estiagens, já que haverá capacidade para irrigação de 91 mil hectares, o que abrange propriedades de mais de 80 mil famílias.
– Entre as culturas beneficiadas estão arroz, soja e milho, além de fruticultura, pastagens e silvicultura.
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Nota de esclarecimento do blog: o governo anunciou que essas barragens acumularão 300 milhões de metros cúbicos de água. Pelas taxas de consumo geralmente usadas na irrigação, se fosse arroz a cultura, o consumo seria da ordem de 1 m3/s o que resultaria em 35 mil hectares irrigados. Se fosse outra cultura, a taxa baixaria para 0,5 m3/s, resultando em 70 mil hectares. De onde saíram os 91 mil só os "projetistas" podem explicar. Vale também lembrar que estudo da UFSM, contratado pelo governo do RS, concluiu que a barragem do arroio Jaguari não permitiria o aumento da área irrigada na bacia, mas simplesmente a diminuição dos riscos de irrigação da área atualmente desenvolvida,que está além da capacidade de suporte desse curso de água.
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Contrapontos
O que diz a Secretaria Extraordinária da Irrigação e Usos Múltiplos da Água, por meio da assessoria de comunicação, sobre os editais
Que as prorrogações de prazos dos editais “de serviço de detalhamento de projetos números 024/08 e 025/08 deveram-se à necessidade de adequações dos mesmos quanto à formatação (ausência de identificação de itens) destes”. E que “com relação aos editais números 029/08 e 030/08 (construção das obras) a prorrogação deveu-se pela necessidade de correção nas exigências de comprovação de capacitação técnica no item transcrito abaixo:
b.3.2) Não serão considerados os atestados e certidões de uma empresa consorciada para comprovar qualificação técnica em atividade que não lhe for atribuída no termo de constituição do consórcio.”
O que diz Rosi Bernardes, por meio da assessoria de imprensa
Desconhece que exista investigação envolvendo seu nome.
O que disse Eliseu Padilha, por meio da assessoria de imprensa.
Informou que só falaria sobre o assunto por meio de seu advogado, Eduardo Ferrão. Zero Hora tentou contato com o celular de Ferrão, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.

Vale a pena lembrar:
Nota na página-web do Governo do Estado, publicada em 22.11.07:

Governo do Estado obtém R$ 26,2 milhões do Ministério da Integração


Yeda Crusius, Eliseu Padilha e Geddel Lima

Yeda negocia na Integração Nacional liberação de R$ 210 milhões ao Estado
Yeda negocia na Integração Nacional liberação de recursos para atingidos pelas chuvas
Nos próximos dias, o Governo Estado receberá R$ 26,2 milhões do Ministério da Integração Nacional. Do total, R$ 9,7 milhões serão destinados a atender os municípios prejudicados por enchentes no início do ano, R$ 9 milhões, sob a forma de empenho, para o começo das obras das barragens nos arroios Taquarembó e Jaguari, e R$ 7,5 milhões de ressarcimento ao Estado pelo investimento em recuperação feito na bacia do Rio dos Sinos.

"São excelentes notícias porque elas dão solução e trazem recursos para o Rio Grande do Sul. Recebi os empenhos de Taquarembó e Jaguari. É uma lista de boas soluções que o ministro nos entregou", resumiu a governadora, após a reunião com o ministro Geddel Vieira Lima, nesta quinta-feira (22), em Brasília. Em até 20 dias, Geddel virá ao Estado para assinar, no local das futuras obras, a licitação de início das barragens.

Investimentos
Ao todo, conforme o ministro, o repasse orçado às barragens de uso múltiplo da água (irrigação e energia) chegará a R$ 100 milhões em três anos – prazo estimado para o término das obras. "Ambas mudarão a realidade das regiões de fronteira Noroeste e Oeste, que estão empobrecendo devido a seca", explicou a governadora. "Há muito aquelas populações nos pediam uma solução e foi com a compreensão das bancadas e do ministro que pudemos levar esse empenho", acrescentou Yeda.

Para os municípios atingidos por enchentes, os R$ 9,7 milhões serão repassados diretamente, por convênio, às prefeituras. Já os R$ 7,5 milhões referentes à bacia do Sinos irão direto para os cofres do Tesouro do Estado. O ministro reconheceu o problema da burocracia para a liberação dos recursos. "A governadora Yeda trouxe boas idéias, como a da exclusão das emergências das exigências de cálculo, inadimplências ou adimplência de municípios", afirmou.

Audiência com Lula
Yeda anunciou a sua decisão de solicitar audiência com o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhada do ministro Geddel Vieira Lima. "É para que sejam tornadas excepcionais as emergências derivadas da área de controle do Ministério da Integração. São muitas chuvas, enchentes e granizo. Para esses casos ainda se pede a mesma burocracia que se pede para coisas que não são de emergência. Vamos ao presidente para sensibilizá-lo, porque é uma questão de humanidade", disse.

Ainda ficou em análise, no ministério, a solicitação do Governo do Estado, de repasse de R$ 200 milhões para atender aos municípios prejudicados por quatro tempestades de granizo. Yeda espera, desta vez, maior agilidade. Ela assinalou, como exemplo da forte burocracia, que os municípios estão recebendo por um problema climático (as enchentes), ocorrido em fevereiro. "Já passou fevereiro, passaram as enchentes, já passou o inverno, já teve granizo", lamentou a governadora.

Na pauta irrigação, o importante para o Rio Grande do Sul é o fato de o Estado estar incluído, por um trabalho do ministro e da bancada federal em Brasília, no Plano Plurianual (PPA) do ministério da Integração Nacional, ponderou a governadora. "A nossa prioridade de governo é também preservar, com as chuvas e águas que temos hoje, a futura seca que, sem dúvida, virá", frisou.

Geddel Vieira elogiou Yeda Crusius pela "sua percepção e visão de futuro”. “O Rio Grande do Sul tem uma larga tradição de irrigação por inundação, na orizicultura. A bancada do Estado começa também a perceber que a irrigação é um instrumento importante para o estímulo à produção, manutenção do homem no campo e abertura da novas frentes de emprego", salientou o ministro. Ele garantiu apoio total aos projetos do Estado. A audiência foi acompanhada pelo deputado Eliseu Padilha.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Fundação Zoobotânica do RS promove exposição "Nosso Pampa Desconhecido"

Fonte: EcoAgência com informações da Coordenadoria de Comunicação Social/Fundação Zoobotânica, http://ecoagencia.blogspot.com.

Com 30 fotos do jornalista e fotógrafo ambientalista Adriano Becker, a mostra "Nosso Pampa Desconhecido" visa provocar um novo olhar para essa importante região do Rio Grande do Sul, diz o material de divulgação distribuído pela Fundação Zoobotânica do Estado.

A abertura da exposição ocorre amanhã, dia 19, às 17h, na Sala de Exposições Temporárias do Museu de Ciências Naturais/FZB-RS – Rua Dr. Salvador França, 1427 – Jardim Botânico de Porto Alegre.

Esta mostra é resultado de parte do trabalho realizado por uma equipe de pesquisadores da Fundação Zoobotânica do RS e faz parte do Projeto Biodiversidade RS, coordenado pela Secretaria do Planejamento e Gestão, com recursos do Banco Mundial e GEF.

Ela permanece no Museu de Ciências até o dia 28 do corrente e segue, posteriormente, para a Expointer, no espaço do Governo do Estado – Pavilhão Internacional.

Riqueza dos campos sulinos

O Rio Grande do Sul é o único estado brasileiro que tem o bioma Pampa. Este ecossistema compreende uma área de cerca de 760.000 quilômetros quadrados, que inclui a metade sul do Rio Grande do Sul, o Uruguai e a região do Prata, na Argentina e forma um dos biomas mais extensos do planeta.

No RS o pampa ocupa cerca de 63% do território estadual, na metade sul do Rio Grande do Sul. É caracterizado por um conjunto de diferentes tipos de relevo e solos, recobertos por vegetação campestre ou de savana, em que predominam plantas herbáceas e arbustivas e divide-se em quatro regiões principais: Planalto da Campanha, Depressão Central, Planalto Sul-Rio-Grandense e Planície Costeira.

Considerando que a maior parte das espécies de plantas e animais domésticos, que hoje formam a base da nossa alimentação, originaram-se em ambientes dominados por campos e pradarias, o pampa é uma importante fonte de material genético.

Os campos proporcionam, também, reposição da fertilidade do solo, controle de pragas agrícolas, da erosão e de inundações, polinização de cultivos, purificação das águas, recursos genéticos e oferecimento de ambientes para fins estéticos ou recreacionistas.

Das 136 ecorregiões do planeta, identificadas como exemplos da diversidade de ecossistemas do mundo, 35 são de campos e savanas. Quase metade dos 234 centros de diversidade de plantas reconhecidos no mundo incluem habitats de campos e savanas.

Estes centros de diversidade representam áreas com alta diversidade de gramíneas, onde as práticas de conservação podem proteger um grande número de espécies deste grupo. Longe de serem ecossistemas pobres em espécies, os pampas apresentam uma diversidade biológica bem distinta.

Diversidade de espécies

A região é uma das áreas do planeta com maior diversidade de espécies de gramíneas (capins e afins). Somente nos campos do sul do Brasil existem mais de 800 espécies diferentes de gramíneas e 200 de leguminosas (família do feijão), o que sobrepassa inclusive a riqueza de plantas encontradas em algumas selvas tropicais.

Doze por cento de todas as espécies de mamíferos e aves do Rio Grande do Sul vivem somente em campos, e muitas outras ocupam esse ambiente de uma maneira não exclusiva. Há várias espécies de animais e plantas endêmicas dos Pampas, ou seja, que não existem em nenhum outro lugar do Planeta.

Estas incluem oito espécies de aves, mamíferos como o tuco-tuco da região de Alegrete, e numerosas espécies de plantas, incluindo dezenas de espécies de cactos que só ocorrem em nossos campos.

Quinze por cento das 250 espécies ameaçadas de extinção no RS habitam somente campos, sendo seis mamíferos, como o veado-campeiro, o gato-palheiro e o lobo-guará, 25 aves, como a noivinha-de-rabo-branco, o veste-amarela, a águia-cinzenta, um réptil, três anfíbios e três espécies de abelhas nativas sem ferrão.

Áreas de preservação

As áreas de preservação de campos cobrem 7,6% da superfície total do bioma no planeta, mas estas áreas protegidas estão concentradas principalmente na África e Ásia.

Estima-se que quase 50% da superfície de campos e savanas do planeta já estejam degradadas pelo uso humano, 5% em situação de extrema degradação.

A substituição dos pastos naturais por pastagens artificiais e o pastoreio intensivo têm reduzido o hábitat de muitas espécies animais e vegetais e a incidência do fogo, introdução de espécies forrageiras e atividade pecuária, têm levado algumas áreas ao processo de desertificação.

Os campos estocam aproximadamente 34% do carbono disponível em ecossistemas terrestres, enquanto as florestas aproximadamente 39% e os agroecossistemas cerca de 17%.

Diferentemente das florestas tropicais, porém, onde a vegetação é a fonte primária do carbono estocado, a maior parte do carbono armazenado nos campos está no solo. Vinte e cinco das 145 maiores bacias hidrográficas do planeta são formadas por pelo menos 50% de campos.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Presidente da Fepam ganha prazo para se defender

Cinco ONGs moveram uma ação civil pública contra Ana Maria Pellini e pediram seu afastamento do cargo. O juiz Eugênio Couto Terra, da 1ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou que a presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Ana Maria Pellini, manifeste-se sobre a ação de cinco organizações não-governamentais (ONGs) contra ela.
As entidades propuseram uma ação civil pública para apurar supostos atos de improbidade administrativa que teriam sido praticados pela presidente. Na ação, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), a Sociedade Amigos das Águas Limpas e do Verde (Saalve), o Projeto Mira-Serra, o Instituto Biofilia e a Associação Sócio-Ambientalista Igré pedem o afastamento de Ana Maria do cargo.
Para isso, afirmaram que a presidente estaria impondo o que denominaram de "clima de terror" entre servidores do órgão, ao pressionar técnicos da instituição para acelerar licenças ambientais desde que assumiu o cargo. As ONGs afirmam ainda ter ocorrido "abusos" em alguns casos — entre os eles os estudos prévios de impacto
ambiental das barragens mistas dos arroios Jaguari e Taquarembó e o Zoneamento Ambiental para a Silvicultura.
Em sua análise, o juiz considerou "cabível a ação proposta", mas decidiu postergar o exame do pedido de afastamento de Ana Maria até que ela apresente sua versão dos fatos.
Contraponto
O que diz a presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Ana Maria Pellini: A presidente informou que, até a noite desta quinta-feira, não havia sido notificada pela Justiça e que, por esse motivo, não iria comentar a decisão.
Fonte: ZERO HORA (www.zh.com.br), Geral | 08/08/2008 | 00h31min

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

ONGs gaúchas querem afastar presidente de Fundação

As ONGs gaúchas Sociedade Amigos das Águas Limpas e do Verde (Saalve), Agapan, Igré, Instituto Biofilia e Mira-Serra entraram, nesta terça-feira (5/8), com uma Ação Civil Pública por improbidade administrativa contra Ana Maria Pellini, que é presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessner (Fepam). É a primeira ação deste tipo movida por ONGs no Rio Grande do Sul. Elas querem que a presidente seja “destituída do cargo em favor da gestão ambiental do Estado e do meio ambiente”.

A presidente da Fepam é acusada de subverter processos de licenciamento ambiental e impedir as restrições que deveriam ser impostas aos empreendimentos causadores de impacto ao meio ambiente. Segundo a ação, “há registros de que ela praticou assédio moral, ameaçando verbalmente e transferindo de postos, sem justificativa, técnicos da Fundação que se opuseram a mudar pareceres em favor de determinadas empresas”. A ainda: “os fatos aconteceram durante o processo de elaboração e votação do Zoneamento Ambiental da Silvicultura, do licenciamento de barragens e da quadruplicação da fábrica de celulose da Aracruz”.

“Esperamos que o Poder Judiciário tutele o meio ambiente e os princípios da Administração, deixando claro que o Estado Democrático de Direito e a sociedade não admitem improbidade administrativa na gestão ambiental. E que a ninguém, seja de que Governo for, assuma a chefia da Fepam com o objetivo de transformá-la numa fundação ineficaz”, afirma o advogado Christiano Ribeiro.

A Ação Civil Pública foi distribuída para a 1ª Vara da Fazenda, no Rio Grande do Sul.

Leia a íntegra da Ação Civil Pública: http://www.conjur.com.br/pdf/acp_fepam.pdf

Ação Civil Pública 10802083262

por Claudio Julio Tognolli
Revista Consultor Jurídico, 5 de agosto de 2008

terça-feira, 5 de agosto de 2008

ONGs gaúchas contestam Estudo de Impacto Ambiental das barragens Jaguari e Taquarembó

Cerca de 7 mil hectares de áreas com grande biodiversidade podem ser "afogados" por duas barragens previstas para a bacia do rio Santa Maria, a Jaguari e a Taquarembó. ONGs ambientais gaúchas reforçaram o alerta sobre os danos ambientais decorrentes da construção dos reservatórios e no início de junho entregaram à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) uma representação relacionada aos Estudos de Impacto Ambiental (Eia/Rimas) das barragens. "É uma última tentativa de impedir esse descalabro ambiental que terá conseqüências negativas significativas para o Pampa", diz Antonio Eduardo Lanna, professor, consultor da OEA e doutor (PhD) em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos.

Desde as audiências públicas, realizadas dias 10 e 11 de junho em Dom Pedrito e Rosário do Sul, a Fepam analisa os documentos recebidos. "Estamos avaliando os impactos da proposta", afirma Iara Velasquez, arquiteta e coordenadora da Equipe Técnica que avalia os Eia/Rima na Fepam. "Os motivos pelos quais foram construídos os estudos é de responsabilidade e demanda do proponente, no caso, as Secretarias Estaduais de Obras e de Irrigação", cita. "A Fepam não interfere na elaboração do projeto, mas avalia a proposta em relação aos impactos que vão causar".

"Além dessas, outras 11 barragens na mesma bacia do Santa Maria, estão com projetos avançados, e com o interesse de forças políticas e econômicas de peso", destaca Lanna. Ele denuncia "a instalação de uma papeleira no município de Rosário do Sul, intensificando a implantação da monosilvicultura do eucalipto em campos naturais de grande valor ecológico". Lanna diz que o projeto visa a irrigação dos eucaliptos, recentemente apontado como uma das prioridades da Secretaria Extraordinária de Irrigação e Usos Múltiplos da Água.

Os ambientalistas das ONGs, por sua vez, dizem não ter dúvidas de que essas obras visam também a irrigação de grandes áreas privadas de lavouras de arroz, não considerando os impactos sociais e ambientais sobre Áreas de Preservação Permanente (APPs), envolvendo o Pampa.

"Essa região já apresenta déficits hídricos naturais - por isto não desenvolveu florestas - e vai ser agredida duplamente com a implantação dos eucaliptos, que aumentarão esses déficits hídricos, e que ainda usarão as águas restantes para serem irrigados", lamenta Lanna, citando os "desertos verdes" do norte do Espírito Santo e do sul da Bahia como parâmetros "do que vai virar o Pampa".

Violação da lei
Outro motivo da representação junto ao Ministério Público teria sido o descumprimento dos prazos de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) por parte dos empreendedores. Eles ainda teriam violado o artigo 76 do Código Estadual do Meio Ambiente, que proíbe a vinculação entre empreendedor e equipe técnica do Estudo de Impacto Ambiental, explica o advogado Christiano Ribeiro, integrante do Movimento Integridade, uma das ONGs envolvidas no questionamento das barragens.

"Os empreendedores violam o Código Estadual do Meio Ambiente, que proíbe a ligação ou vinculação da equipe técnica do Eia/Rima com o executor do empreendimento. Essa ligação está comprovada pelos levantamentos do professor Lanna, o que pode anular o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima), pois há regras legais que impedem essa vinculação", salienta Ribeiro. Ele cita ainda a precariedade técnica dos laudos, que não consideraram a biodiversidade do local e a presença de espécies endêmicas.

Anulação do projeto
Para Ribeiro, todo o projeto das barragens pode ser anulado. "Se a justiça acatar o pedido de litis consorti ativo, movido pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e Igré (ONGs), o processo deverá ser mantido e enriquecido pelas informações e questionamentos apresentados pelas entidades". Outro aspecto que pode invalidar o projeto é que o executor não apresentou uma alternativa de local para a instalação das barragens, num local menor e que cause menos impactos ambientais. "Pelos aspectos técnicos e formais, não tem como dar credibilidade a esse estudo".

"Vale a pena usar dinheiro público na construção de barragens que beneficiem produtores privados e não à maioria da sociedade?", questiona o professor Antonio Eduardo Lanna. "Será que a obra é realmente necessária e seus usos socialmente justificáveis?", prossegue, destacando o investimento de cerca de R$ 80 milhões, numa parceria entre Ministério da Integração Nacional e Secretaria de Obras do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Na obra do Arroio Jaguari, serão R$ 61.991.816,00, dos quais R$ 21.501.436,00 cabem ao governo do RS. No Taquarembó, R$ 61.405.945,00, sendo R$ 22.112.325,00 a contrapartida do Estado.

Para Lanna, os governos falam que são obras de usos múltiplos, para abastecer Rosário do Sul e Dom Pedrito, "mas não conseguem esconder o real propósito: irrigar, principalmente o arroz. Falam em 80mil hectares, mas não falam que na bacia do Santa Maria já existe excesso de uso de água exatamente por conta da irrigação do arroz e que grande parte da água disponibilizada pelas barragens irá cobrir o déficit sem aumentar a área irrigada. Já sobre impactos ambientais, nada", lamanta Lanna.

Supressão de florestas
A barragem Jaguari, no município de Rosário do Sul, tem previsão de alagar 2.752 hectares. Já a Taquarembó, em Dom Pedrito, vai ocasionar um alagamento de 1.350 hectares. "E ainda: serão mais de 1.132 hectares de florestas de galeria que deverão ser suprimidas ou sucumbirão com essas duas obras. Uma fauna raríssima e ameaçada, assim como as florestas mais contínuas (matas em galeria) da região do Pampa", lamenta o consultor.

Segundo dados do próprio Eia/Rima, na área prevista para o alagamento das duas barragens, a quantidade de árvores que deverão ser suprimidas é de 1 milhão 579 mil 106 árvores nativas, "a grande maioria de espécies que não existem em nenhum viveiro do Estado", apontam as ONGs. Segundo elas, os estudos não fazem menção a espécies ameaçadas de extinção que têm seu habitat apenas naquela região, as chamadas endêmicas.

Lanna já havia denunciado, em março de 2007, a presença de um Rima com diversas falhas técnicas e a ausência de EIA correspondente e atualizado, havendo apenas um estudo (EIA) do ano de 2001, elaborado pela Beck de Souza Engenharia. "Há mais de um ano tenho lutado contra essas barragens e conseguido vitórias transitórias, como a retirada de um Eia/Rima fajuto da Fepam, em maio/2007, e uma liminar contra Licença Prévia igualmente irregular, em agosto/2007", cita.

"Temo agora que possa estar se prenunciando uma derrota definitiva com a aprovação dos Eia/Rimas, em que pese as denúncias que encaminhei aos Ministérios Públicos Estadual e Federal e à Fepam", diz, ao lamentar a falta de visibilidade política dessa luta. "Tenho a impressão que apenas umas cinco pessoas desimportantes como eu têm se movimentado. Isso pode fazer com que o governo do Estado nos patrole, como tem nos patrolado em oportunidades em que a visibilidade política é maior, como no caso das licenças para silvicultura e para a quadruplicação da Aracruz".

Processo reiniciado
Iara Velasquez, arquiteta e coordenadora da Equipe Técnica que avalia os Eia/Rima na Fepam, reconhece que o Eia/Rima apresentado não estava completo. "A agora o processo foi reiniciado e anda normalmente dentro da lei de licenciamento ambiental". "Foi feito todo um novo processo", diz.

"Desde 2001, os objetivos foram se adaptando às demandas sociais e aos benefícios futuros das obras. Quando, ainda no governo Rigotto, em 2006, esse projeto foi declarado como de interesse social, passou a valer a lei que orienta para a determinação dos usos múltiplos da água, a Resolução do Conama número 369, garantindo assim o repasse de recursos do PAC para obras consideradas estrategicamente interessantes pelo governo federal, em sintonia com o estadual", analisa Iara.

Segundo a técnica, a Licença Prévia das barragens "está juridicamente esclarecida. O cronograma do plano de trabalho elaborado pelo governo está sendo cumprido", defende Iara, ao citar que "a responsabilidade pela emissão de licença prévia sem Eia/Rima foi assumida pela Fepam perante o juiz de Lavras do Sul e hoje essa fase já foi superada, senão não seria possível realizar as audiências". Ela acrescenta que "a Fepam liberou Licença Prévia para garantir os recursos para a construção das barragens, mas não interferimos na elaboração do projeto".

A Equipe Técnica de Eia/Rima da Fepam está avaliando os documentos resultantes das audiências públicas, que são degravados e os questionamentos, respondidos. Um geólogo que integra a equipe que elaborou o projeto via Beck Engenharia diz que a licença prévia para a construção das barragens na Fepam "tá pra sair". Já a coordenadora de Eia/Rima da Fepam afirma não ter previsão: "Nosso interesse é fazer o estudo o mais rápido possível, dentro das informações e da qualidade da licença".

(Por Adriane Bertoglio Rodrigues, EcoAgência, 04/08/2008)

sábado, 2 de agosto de 2008

Barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó

O governo federal e o estadual do Rio Grande do Sul vêm anunciando a construção de duas de cerca de uma dúzia de barragens na bacia do rio Santa Maria, que se insere no bioma Pampa: as do arroio Jaguari (Lavras do Sul e São Gabriel) e Taquarembó (Dom Pedrito e Lavras do Sul). Essas barragens, que inundarão áreas importantes quanto à biodiversidade e a presença de espécies endêmicas, servirão para disponibilização de água para irrigação do arroz, primordialmente. A cultura de arroz gera outro impacto, ao ocupar áreas de preservação permanente, localizadas nas várzeas fluviais. Portanto, as barragens geram um duplo impacto: 1) pelas inundações que promovem em suas áreas de alagamento e 2) por gerarem outro tipo de agressão, representada pela expansão do arroz irrigado em áreas de várzea.

Recentemente foram apresentados Estudos de Impacto Ambiental e promovidas as respectivas Audiências Públicas. Chamam a atenção a má qualidade técnica, as omissões, e as falhas diversas que apresentam esses estudos que, por si só, seriam mais que suficientes para torná-los inaceitáveis. Algumas delas, que são as mais evidentes, mas que não esgotam o universo observado, serão a seguir comentadas. Mesmo que os EIA/RIMAs se refiram a sub-bacias distintas, nota-se no texto desses estudos uma grande repetição, resultado possível da pressa e do fato da mesma consultora tê-los elaborado. Por isto, os EIA/RIMAs de ambas as barragens apresentam praticamente as mesmas falhas e, por isto, serão analisados conjuntamente.

1. Os impactos ambientais das barragens não têm amparo na norma legal e os empreendimentos sequer apresentam viabilidade econoômica

Embora os estudos afirmem que o objetivo principal é o abastecimento público urbano das cidades de Rosário do Sul (barragem Jaguari) e Dom Pedrito (barragem Taquarembó), qualquer análise mais atenta percebe que o principal objetivo é a irrigação. Desde que foram iniciados os estudos das barragens de regularização da bacia do rio Santa Maria este tem sido o objetivo. No entanto, uma restrição ensejada pela Resolução 369/2006 do Conselho Nacional de Meio Ambiente - que dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente – APP - , impede este impacto quando derivado de projetos de irrigação. Entre as exceções estabelecidas por esta norma insere-se “I - utilidade pública: ... b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de ..., saneamento e ...”.
Fartas são as razões para que a supressão da vegetação em APPs seja restringida pela norma legal. Nos preâmbulos da Resolução mencionada algumas delas são arroladas:

Resolução CONAMA No 369, de 28 de março de 2006: Considerando o dever do Poder Público e da coletividade de proteger o meio ambiente para a presente e as futuras gerações; ... as responsabilidades assumidas pelo Brasil por força da Convenção da Biodiversidade, de 1992, da Convenção Ramsar, de 1971 e da Convenção de Washington, de 1940, bem como os compromissos derivados da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992; ... que as Áreas de Preservação Permanente - APP, localizadas em cada posse ou propriedade, são bens de interesse nacional e espaços territoriais especialmente protegidos, cobertos ou não por vegetação, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; ... a singularidade e o valor estratégico das áreas de preservação permanente que, conforme indica sua denominação, são caracterizadas, como regra geral, pela intocabilidade e vedação de uso econômico direto; ... que as áreas de preservação permanente e outros espaços territoriais especialmente protegidos, como instrumentos de relevante interesse ambiental, integram o desenvolvimento sustentável, objetivo das presentes e futuras gerações; ... a função sócioambiental da propriedade prevista nos arts. 5 o , inciso XXIII, 170, inciso VI, 182, § 2 o , 186, inciso II e 225 da Constituição e os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador; ...que o direito de propriedade será exercido com as limitações que a legislação estabelece, ficando o proprietário ou posseiro obrigados a respeitarem as normas e regulamentos administrativos; o dever legal do proprietário ou do possuidor de recuperar as Áreas de Preservação Permanente - APP's irregularmente suprimidas ou ocupadas; ...que, nos termos do art. 8 o , da Lei n o 6.938, de 1981, compete ao Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos; e que, nos termos do art. 1 o § 2 o , incisos IV, alínea "c", e V, alínea "c", da Lei n o 4.771, de 15 de setembro de 1965, alterada pela MP n o 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, compete ao CONAMA prever, em resolução, demais obras, planos, atividades ou projetos" de utilidade pública e interesse social.

Para evitar esta restrição foi inserido outro objetivo que atende às possibilidades de supressão da vegetação das Áreas de Proteção Permanente, segundo a resolução mencionada: ou seja, os EIA/RIMAs alegam que os empreendimentos se destinam ao abastecimento de Rosário do Sul (Jaguari) e Dom Pedrito (Taquarembó). A própria justificativa para contratação da empresa consultora por parte da Secretaria de Obras Públicas e Saneamento - SOPS (na época a Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano - SHSDU), revela, textualmente, que a empresa já havia realizado um estudo desta natureza para essas barragens que, porém, foi necessário alterar diante de Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente que restringe o licenciamento a barragens que tenham como objetivo principal a irrigação, como seria a natureza original do projeto; por isto, ele foi complementado de forma a inserir outros objetivos, como o abastecimento público, e isso motivou a necessidade de ser modificado o Estudo de Impacto Ambiental. Portanto, no próprio texto da contratação do estudo ambiental das barragens, que será adiante mais bem comentado, a SOPS confessa suas intenções de aprovar as barragens, seja de uma forma (para irrigação, como originalmente) ou de outra (para abastecimento, alternativa adotada para permitir contornar a restrição da resolução CONAMA supramencionada).

Ora, é fácil dimensionar que para abastecer cidades deste porte não há necessidade de barragens tão grandes como as propostas. O município de Dom Pedrito tinha em julho de 2006 42.151 habitantes e o de Rosário do Sul 41.497, segundo estimativas do IBGE. Mesmo supondo que a população aumente à média nacional, também estimada pelo IBGE, em 2050 as populações seriam não mais que 40% maiores, ou seja, 60.000 habitantes em Dom Pedrito e em Rosário do Sul. A uma taxa de uso de água na base de 200 l/hab/dia, geralmente adotada, bastariam 12.000 m3/dia para abastecer cada município ou uma vazão regularizada nos pontos de captação de cada cidade de 0,14 m3/s. Mesmo que se imagine que a região venha a passar por um grande processo de desenvolvimento, liderando nesse aspecto o estado do Rio Grande do Sul, e suas populações dobrem até 2050, a demanda hídrica para abastecimento de cada município será da ordem de uns 0,30 m3/s e ambos demandarão menos de 1 m3/s.

Embora os EIA/RIMA não informem as vazões regularizadas em cada barragem – o que pode ser mais uma tentativa de ocultar as verdadeiras intenções: irrigação -, por suas dimensões, elas deverão ter, isoladamente, vazões regularizadas várias vezes superiores ao valor que atenderia à demanda de abastecimento das cidades nomeadas. Estudo anterior estimou a vazão regularizada apenas na barragem do arroio Jaguari como 4 m3/s, bem mais que 10 vezes o que é necessário para abastecimento de Rosário do Sul, na hipótese mais exagerada de que sua população dobre até 2050!

A rigor, para abastecer as cidades de Dom Pedrito e Rosário do Sul, bastaria uma solução sem previsão obras e, portanto, sem impactos ambientais: o maior controle das outorgas de direitos de uso de água nos períodos de estiagem mais intensa, quando é conhecido que o uso indiscriminado de água para irrigação de arroz causa os problemas de abastecimento mencionados. Outra alternativa complementar à anterior seria aumentar a eficiência do uso de água na lavoura de arroz. Como última opção, caso se tomasse a má decisão (técnica, econômica e ambiental) de serem construídas barragens, provavelmente elas não seriam localizadas nos eixos propostos e teriam dimensões bem inferiores às que estão dimensionadas.

Esta análise, que deveria ser apresentada na hipótese de não realização do empreendimento, obrigatório em um estudo deste tipo, não foi realizada. Ao contrário mostrou-se uma situação de graves problemas de abastecimento, como se a única solução fosse as barragens previstas, nos locais e dimensões apontados.
A não consideração de alternativas tecnológicas e locacionais para o abastecimento público dessas cidades não atendeu às exigências do Código Estadual de Meio Ambiente, instituído pela Lei Nº 11.520, de 03 de agosto de 2000.

Lei Nº 11.520, de 03 de agosto de 2000: Art. 73 - O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos desta Lei e seu regulamento e os expressos na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá as seguintes diretrizes gerais:
I - contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do empreendimento, confrontando-as com a hipótese de sua não execução;
....
§ 2° - O estudo da alternativa de não execução do empreendimento, etapa obrigatória do EIA, deverá incluir discussão sobre a possibilidade de serem atingidos os mesmos objetivos econômicos e sociais pretendidos ou alegados pelo empreendimento sem sua execução.

Isso compromete mais uma vez a qualidade formal dos EIA/RIMAs apresentados, mostrando que a empresa consultora ou não tinha competência técnica para elaboração desses estudos ou achava-se capturada pelos interesses do empreendedor.

No caso da barragem do Jaguari o problema é ainda maior: no próprio EIA/RIMA é comentada a existência do canal de grandes dimensões (cerca de 40 km de canal revestido!), e que demanda grandes investimentos, para levar água para irrigação de lavouras de arroz. Caso a irrigação fosse meramente um efeito colateral do projeto, ou um objetivo secundário, não haveria previsão dessa estrutura dispendiosa. Isto comprova que o objetivo principal das barragens é a irrigação e que, colateralmente, existiria o abastecimento das cidades, apesar de que poderiam contar com alternativas mais eficientes para alcançarem este benefício.

Adicionalmente: se o principal objetivo das barragens é o abastecimento de Dom Pedrito e de Rosário do Sul nas análises de suas alternativas tecnológicas e locacionais deveriam ser consideradas barragens com dimensões exclusivas para o atendimento dessas demandas, o que não foi apresentado. Certamente, essas barragens teriam dimensões muitíssimo inferiores às com que foram dimensionadas com impactos sociais e ambientais também muito inferiores. Ou seja, existe uma alternativa tecnológica, associada à mesma locação, que implicaria em menores custos econômicos, ambientais e sociais, representada por barragens de menor porte que permitiriam o abastecimento das cidades aludidas.

Mesmo sendo contrário à legislação caberia uma última reflexão: barragens desse porte, com os custos de investimento que requerem, não são alternativas economicamente viáveis para a irrigação do arroz. A razão percebível nitidamente é que esse cereal não gera renda compatível para recuperar investimentos deste porte. Isso pode ser claramente constatado pelo fato de que as regiões menos desenvolvidas do estado do Rio Grande do Sul serem aquelas que têm na orizicultura sua principal atividade econômica. Fosse ao contrário, essas seriam as regiões com maior desenvolvimento econômico. A bacia beneficiada, por exemplo, do rio Santa Maria, apresenta a maior área irrigada do RS e, em contraste, uma produção bruta que a coloca bem abaixo da média estadual. Insistir na expansão da orizicultura como única alternativa de crescimento econômico é persistir na manutenção desse quadro de atraso.

Uma questão fundamental que deveria também ter sido analisada, e sequer é citada no EIA/Rima da barragem do arroio Jaguari, é um estudo da Universidade Federal de Santa Maria, em 2004[1], para o Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Ele concluiu que não existem condições de ampliação das áreas de cultivo orizícola nessa bacia. A área desenvolvida acha-se muito além da possibilidade de suprimento com as águas desse manancial, e a construção dessa barragem viria a meramente reduzir os riscos de racionamento da área de arroz atualmente cultivada. Isto poderia alterar totalmente as conclusões e talvez os rumos do empreendimento: afinal, nem este objetivo, que sub-repticiamente tem sido usado para levar adiante o empreendimento, mesmo que sem amparo da lei, mostra ser viável tecnicamente!

Um estudo lançado no final de 2006, contratado pelo Governo do Rio Grande do Sul, o Rumos 2015[2], propôs estratégias de desenvolvimento para o estado, por região funcional. Naquela que abrange a bacia do rio Santa Maria não houve previsão de implantação de barragens de irrigação. No que se refere à orizicultura foram propostos 4 programas; nenhum deles envolve a construção de barragens e um programa propõe a restauração das matas ciliares, enquanto as barragens acarretarão as suas eliminações. Eles são:
Rio Grande do Sul (2006): Rumos 2015
1. Desenvolvimento de pesquisas e divulgação, voltado a um melhor manejo agrícola, com projetos voltados à pesquisa de novos cultivares, divulgação de informações tecnológicas, capacitação em novas técnicas e gestão da comercialização;
2. Capitalização do potencial ambiental, voltado ao melhor controle e à eficiência no uso da água nas áreas irrigadas;
3. Manutenção do potencial ambiental, que propõe a proteção e recuperação do ambiente, em especial a restauração das matas ciliares;
4. Suprimento de infra-estruturas, que se reporta a um “upgrade” em armazenamento.


É importante reforçar que este estudo preconiza para a região a capitalização e a manutenção do potencial ambiental, enquanto as barragens promovem exatamente o contrário. E mostra que a solução para impulsionar o desenvolvimento passa por pesquisas e divulgação de técnicas de melhor manejo agrícola, incluindo a comercialização e o armazenamento. Esse estudo, acatado pelo atual governo do estado, poderá melhor direcionar os esforços de desenvolvimento da região, usando os mesmos recursos disponibilizados pelos governos federal e estadual para essas barragens, com resultados certamente mais vantajosos sob os enfoques econômico, social e ambiental. O que pode ser demonstrado é maus investimentos são piores do que investimento nenhum pois eles, sem apresentar resultados estruturantes, acabam por determinar que a região alcance prioridades menores nas futuras oportunidades que surjam, pelo fato de já ter sido beneficiada anteriormente e com resultados medíocres.

O governo do estado, que enfrenta sérios problemas financeiros, ao realizar investimentos em barragens que não passariam em qualquer análise mais criteriosa de eficiência econômica, comete o mesmo erro de tantos governos passados, e que levaram às atuais dificuldades financeiras. Mais uma vez, e como não poderia deixar de ser, será a sociedade gaúcha que pagará futuramente por estas más escolhas, na forma serviços públicos com coberturas insuficientes e de baixas qualidades. E a manutenção da situação de estagnação da região pretensamente beneficiada com índices de desenvolvimento abaixo da média estadual.

Em conclusão, tanto o empreendedor, a Secretaria de Obras Públicas e Saneamento, quanto a empresa consultora, usaram de artifícios para eximirem os projetos do que é disposto na Resolução CONAMA 369/2006, em uma evidente tentativa de contornar a lei, mas sem que na prática isto aconteça: o projeto tem na irrigação seu principal uso, e que determinam as grandes dimensões e grandes impactos das barragens, e não poderiam ter as Áreas de Preservação Permanentes suprimidas. Além disto, elas não gerarão sequer benefícios econômicos que possam justificar – mesmo à margem da lei – a supressão da vegetação nas Áreas de Preservação Permanente, constituindo-se, claramente, em prejuízos para a sociedade gaúcha.

2. Outros propósitos sem coerência técnica: recreação e controle de cheias

Outro propósito que é apresentado em ambos os EIA/RIMAs é igualmente injustificável: propiciar atividades de recreação e lazer (banhos de lago ou de rio) nos reservatórios e na praia fluvial de Areias Brancas em Rosário do Sul. Novamente, quando este problema ocorre na praia mencionada, ou seja, nas maiores estiagens do rio Santa Maria, é ocasionado pelo excesso de uso de água nas lavouras de arroz. As mesmas soluções alternativas sem obras poderiam ser propostas. Além disto, pode-se cogitar a hipótese de construção de um dique que eleve as águas do rio, a jusante da praia, de forma a mitigar os problemas de baixas vazões. Seria o piscinão de Rosário do Sul. Além disso, resta a pergunta óbvia: é legítimo comprometer o ambiente com tantos impactos para que a população de Rosário do Sul possa se refrescar no verão?

Quanto às oportunidades de recreação nos lagos das barragens, existe outro exagero. Os locais são de difícil acesso, existem outros locais mais próximos às cidades beneficiadas que podem propiciar o mesmo tipo de lazer, e esse tipo de lazer, relacionado ao usufruto do ambiente natural, não apresenta carência na região.

Os estudos também apontam mais um propósito que não é apresentado com consistência: o controle de cheias. Ora, reservatórios que são usados para regularização, de forma a suprir usos (irrigação do arroz ou abastecimento público, etc) devem permanecer cheios para armazenar água e com isto não poderiam acomodar a não ser as primeiras enchentes que ocorram após a estação de estiagem. Como as grandes enchentes ocorrem na primavera, os reservatórios estarão cheios com as chuvas de inverno e em nada, ou muito pouco, contribuirão para este propósito. Caso houvesse esta preocupação deveria ser apresentado o volume de espera de cheias (ou seja, o volume reservado para acomodá-las) com que são projetados os reservatórios – eles sequer são mencionados. Além disto, para que se possa controlar cheias, os vertedores que escoam as enchentes deveriam ter comportas que permitissem o controle dos escoamentos em diversas situações de armazenamento. Como não existem esses dispositivos, a única conclusão é que esse propósito foi inserido sem maior consistência, em mais uma tentativa de justificar as obras, contra os fatos.

3. Conclusão parcial

Por todos esses fatores, cabe a conclusão parcial: os reservatórios dos arroios Jaguari e Taquarembó têm como objetivo primordial a irrigação de arroz, ao contrário do que os EIA/RIMAs declaram; os demais propósitos que são apresentados com destaque são meramente uma tentativa de manipulação dos fatos e de contornar as restrições da Resolução CONAMA 369/2006.

Essa tentativa grosseira de falsear a realidade mostra tão somente que a empresa consultora não tem a independência necessária do empreendedor para elaborar um estudo de impacto ambiental baseado em análises criteriosas.

4. Os impactos ambientais

A análise de impactos ambientais apresentada apresenta inúmeras falhas, resultantes do que parece ser urgência da empresa encarregada do estudo em oferecer os seus resultados. Nota-se a falta de estudos de campo que possam respaldar as afirmações que são realizadas. Freqüentemente são feitas referências a informações obtidas em outras bacias, que não as do arroio Jaguari e Taquarembó, desconhecendo que o meio ambiente é variável e dinâmico, e não algo uniforme.

Alguns pontos mais expressivos:

Serão mais de 1.132 hectares de florestas de galeria que deverão ser suprimidas ou sucumbirão com estas duas obras. Uma fauna raríssima e ameaçada, e as florestas mais contínuas (Matas em Galeria) da região do Pampa desaparecerão. Na área prevista para o alagamento das barragens, é de 1.579.106 (um milhão quinhentos e setenta e nove mil e cento e seis) árvores nativas deverão ser suprimidas na estimativa dos próprios estudos. A grande maioria de espécies que não existe em nenhum viveiro do Estado. Esta quantidade corresponde ao total de árvores que ocorre nas ruas de Porto Alegre, cidade considerada mais arborizada do Brasil. Considerando cada caso:

1) Barragem do arroio Jaguari: com área prevista para o alagamento de 2.752 hectares. Da imensa área a ser alagada há o impacto de perda de 766 hectares de florestas nativas, com densidades de mais de 1.577 árvores (com diâmetro de mais de 5 cm) por hectare. Seriam 1.207.982 árvores suprimidas segundo o estudo, ou 141.675 m3 de madeira/lenha. Seriam perdidos também 1.986 ha de campos, lavoura, pastagens, entre outros usos.

2) Barragem do arroio Taquarembó. A área a ser alagada corresponde ao curso de água do arroio Taquarembó. Em uma extensão de 1.350 hectares, serão perdidos 366 hectares de florestas nativas, o que corresponde, segundo dados do EIA/Rima, a 371.124 árvores a serem suprimidas. O volume de madeira/lenha a ser retirado ou perdido é de 103.884 m3. Também seriam perdidos 984 hectares de campos, banhados, lavouras e outros usos.


Os estudos de impacto não fazem referência as espécies da flora ameaçada de extinção pelo Decreto Estadual 42.099/2002. Corticeiras, figueiras, araucárias e outras espécies que sendo retiradas exigem reparações não foram contabilizadas, embora existam em grande número nas áreas a serem inundadas. Os levantamentos são insuficientes, com amostragens escassas (apenas 80 árvores), não tendo amostragens quantitativas de campo.

Nestas áreas existem espécies de fauna de mamíferos ameaçados como gato maracajá (Leopardus wiedii), veado catingueiro (Mazama gouazoupira), gato-do-mato (Oncifelis geofroy), entre outros.

Considerando o dano/benefício, fica evidente que a barragem de Jaguari inundará uma área muito maior (2.752 hectares) e irrigará uma área muito menor (17 mil hectares) em comparação à do Taquarembó.

As duas barragens, com cerca de 30 m de altura têm o objetivo de irrigar monoculturas em grandes extensões, inclusive monoculturas arbóreas (eucaliptos). Ironicamente, os EIA/RIMAs afirmam que um dos objetivos das barragens também é a "utilização de água como elemento de preservação ambiental, evitando a migração de espécies da fauna em busca de água e estimulando a procriação pela oferta da mesma". Esta é mais uma constatação de que a consultora encontrava-se capturada pelos interesses do empreendedor, não tendo elaborado uma peça de análise isenta, como a lei exige.

No Estudo de Impacto Ambiental da barragem do Jaguari não foram analisados os impactos das obras de distribuição de água, como canais e aquedutos, em especial o canal revestido de 40 km que será usado para adução de água da barragem do Jaguari aos usuários de água para irrigação de arroz. Ao se colocar como obstáculo ao livre trânsito de um lado para o outro do canal ele poderá ser uma barreira importante, interrompendo corredores ecológicos que passem pelo seu eixo, devendo ser previstas alternativas para os seus restabelecimentos.

Provavelmente esta questão não foi considerada para que não fosse chamada muita atenção sobre este canal, e seu custo, que mostraria o que a realidade afirma, mas o empreendedor e a consultora negam: que a barragem tem como principal objetivo a irrigação de arroz.

Outros impactos relevantes decorrem dos efeitos na qualidade e quantidade das águas resultantes das modificações do uso do solo promovidas pelo empreendimento, visto que a região já se encontra sobre ameaças causadas pela expansão da silvicultura que, conjugadas com inundação de vastas áreas e expansão da área de arroz irrigado, poderão afetar o seu delicado equilíbrio ambiental. Isto se reveste de especial relevância, pois se sabe que existe grande passivo ambiental na bacia do rio Santa Maria, ocasionado pela ocupação das Áreas de Preservação Permanente – as várzeas fluviais – pela orizicultura. Os EIA/Rimas não apresentaram formas de se resgatar esse passivo ambiental, ao contrário, o projeto se caracteriza por aumentá-lo mais ainda.

Sobre os aspectos relacionados aos recursos hídricos, os EIA/Rimas não propõem vazões ecológicas a serem mantidas a jusante das barragens – ou seja, vazões que minimamente atendam às demandas do equilíbrio ecológico - por meio de métodos consistentes com o estado-da-arte. Também não atendem à demanda de implantação de instrumentos de gestão de recursos hídricos na bacia, que promovam, em especial, o aumento da eficiência do uso de água para irrigação do arroz, que permitiria grandes avanços na utilização conjunta de água sem impactos ambientais.

O projeto de monitoramento das vazões e da qualidade da água dos reservatórios dos arroios Jaguari e Taquarembó é insuficiente, e não há referência à implantação de uma rede de monitoramento das águas subterrâneas, que poderão ser afetadas pelos empreendimentos.

Outro aspecto que chama a atenção é que o Governo do RS anuncia que essas duas são as primeiras de cerca de uma dúzia barragens a serem instaladas na bacia do rio Santa Maria. Como se sabe amplamente, existem efeitos cumulativos e sinérgicos de barragens sobre o meio ambiente, de forma a desaconselhar que seus impactos sejam analisados isoladamente. Um estudo de impacto ambiental criterioso deveria considerar todos os aproveitamentos de recursos hídricos da bacia do rio Santa Maria, de forma integrada, conjugados com os impactos da silvicultura, que se apresenta relevante na realidade atual. Pelo menos, ambas as barragens deveriam ser objeto de um único EIA/Rima.

5. Impactos sociais

Os impactos nos proprietários das terras inundadas também foram insuficientemente considerados. A rigor, em nenhum momento houve qualquer tentativa de contatá-los para explicar o que seria o projeto e como seriam promovidas as desapropriações. Os levantamentos fundiários, inclusive, estão desatualizados, mencionando pessoas com nomes incompletos (apenas o prenome) e outras que não são mais proprietárias na área afetada.

6. As atitudes do governo do RS

O que mais chama a atenção nesse processo de aprovar essas barragens, porém, foi o lamentável comportamento do governo do estado do Rio Grande do Sul e dos dirigentes de seu órgão ambiental, a FEPAM. Eventos que deveriam constranger a sociedade gaúcha foram perpetrados na ânsia de aprovar, de qualquer maneira, essas obras, sem qualquer análise técnica, econômica, social e ambiental criteriosa.

Este verdadeiro repertório de práticas censuráveis foi iniciado em 20 de março de 2007 por um anúncio no Diário Oficial do RS, em sua página 16, que os EIA/RIMAS das barragens estariam disponibilizados na biblioteca da FEPAM para consulta. Ao tomar conhecimento destes estudos o autor dessa representação constatou uma tentativa grosseira de apresentar relatórios ultrapassados e carentes de conteúdo técnico como se fossem RIMAs. Foi deixada uma nota manuscrita em protesto na biblioteca da FEPAM, que foi suficiente para a retirada dos pretensos RIMAs e a afirmação do seu presidente da época, feita na presença do autor, de que eles nunca existiram, em uma tentativa hipócrita de negar uma evidência publicada no Diário Oficial do RS! Com isto foi possível interromper a manobra do governo e obrigar à FEPAM a exigir um EIA/RIMA das obras, algo que não deveria ser necessário, pois está nas suas obrigações como órgão de proteção ao meio ambiente.

Não melindrada pelo ocorrido, em agosto de 2007, a FEPAM emitiu “Licenças Prévias de EIA-RIMA” que autorizaram, sem haver necessidade para tal, a “continuidade do procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio” dos empreendimentos das barragens do arroio Jaguari e Taquarembó. Este tipo de licença não faz parte dos documentos que são requeridos pela legislação ambiental; dar continuidade ao “procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio” é uma obrigação da FEPAM para a qual não há necessidade de autorização. O que foi mais grave é a exigência de publicação no “Diário Oficial do Estado e em periódico diário de grande circulação regional na área do empreendimento”, o pedido de licenciamento, “informando que a FEPAM emitiu Licença Prévia para continuidade do licenciamento, através do instrumento EIA-RIMA”. Ou seja, o objetivo era tão somente iludir a terceiros (possivelmente o Governo Federal que financia os empreendimentos pelo PAC) levando ao entendimento equivocado que as Licenças Prévias haviam sido efetivamente emitidas.

Isso motivou uma representação que o signatário apresentou ao Ministério Público Estadual que acionou a justiça que veio a suspender, liminarmente, essas licenças.
Em virtude do ocorrido, foi homologado no final de 2007 um Termo de Ajuste de Conduta – TAC entre o Governo do RS e o MPE relativo às LP sem EIA/RIMA. O item 5 das resoluções é constrangedor: “a FEPAM se compromete a impedir o início de qualquer obra referente aos empreendimentos enquanto não finalizado todo o processo de licenciamento de instalação”.

A FEPAM foi também obrigada até o dia 10 de cada mês comprovar a implementação das providências apresentadas em um cronograma de elaboração do EIA/EIMA. Um item dispõe que a FEPAM, “na eventual concessão das LPs ...”; ou seja: no TAC está claro que as LPs não foram emitidas. No entanto, se houver consulta à página da FEPAM pode-se verificar que estas LPs irregulares ainda estão lá, iludindo os incautos. Isto pode ser verificado, para a barragem do Jaguari, em www.fepam.rs.gov.br entrando com o número 13990567070 na caixa “Consulta Rápida a andamento de Processo”. Possivelmente esta “licença” foi apresentada ao governo federal como a licença prévia, mas não corresponde à verdade – não existe LP para essas obras, ainda. Tanto é que apenas mais recentemente, em 9 de maio de 2008, o Diário Oficial do Rio Grande do Sul, na página 53, anunciou que os EIA/RIMAs dessas barragens estariam na biblioteca da FEPAM para consulta dos interessados. A mesma consultora que havia elaborado o pretenso estudo para a barragem do arroio Jaguari, apresentou novas versões, para ambas as barragens.

Cabe alertar que Estudos Prévios de Impacto Ambiental são legalmente normatizados no estado do Rio Grande do Sul pelo Código Estadual de Meio Ambiente, instituído pela Lei Estadual nº 11.520, de 03 de agosto de 2000. Nesta lei - visando a evitar que a empresa contratada para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental de um empreendimento seja “contaminada” pela vontade de aprová-lo face à sua captura pelos interesses do empreendedor, como parece ter ocorrido no caso das barragens aludidas, de forma objetiva ou subjetiva - é disposto:

Lei Estadual nº 11.520, de 03 de agosto de 2000 - Código Estadual de Meio Ambiente: Art. 76 - O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) serão realizados por equipe multidisciplinar habilitada, cadastrada no órgão ambiental competente, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados, não podendo assumir o compromisso de obter o licenciamento do empreendimento.
§ 1° - A empresa executora do EIA/RIMA não poderá prestar serviços ao empreendedor, simultaneamente, quer diretamente, ou por meio de subsidiária ou consorciada, quer como projetista ou executora de obras ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA).
§ 2° - Não poderá integrar a equipe multidisciplinar executora do EIA/RIMA técnicos que prestem serviços, simultaneamente, ao empreendedor.


No entanto, pode ser mostrado com facilidade que esta consultora tem um longo envolvimento com esses empreendimentos, o que deveria inabilitá-la para elaborar os seus EIA/RIMAs à luz da legislação. A saber:

I. Em 2001, a empresa Beck de Souza Engenharia Ltda apresentou um estudo denominado Estudo de Impacto Ambiental do Sistema de Irrigação Projetado na Bacia Hidrográfica do Arroio Jaguari em contrato com Secretaria de Obras Públicas e Saneamento – SOPS, atual Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, o empreendedor dessas obras, cuja folha 7 esclarece que as suas atividades foram iniciadas em conjunto com os técnicos da empresa responsável pelo Projeto Final de Engenharia do Sistema de Irrigação da Bacia do Arroio Jaguari. Esse foi o estudo apresentado como um pretenso EIA/Rima das barragem do Jaguari em março de 2007. Esta declaração atesta que o envolvimento da consultora responsável pela elaboração dos EIA/RIMAs das barragens com os projetos e viabilização dos empreendimentos é antigo
II. Ademais, em 22 de Julho de 2004 a consultora foi contratada pela SOPS para “Execução dos serviços de consultoria, compreendendo apoio gerencial e operacional, elaboração de estudos técnicos, programas ambientais, diagnósticos, prognósticos, planos, sistemas, programas de qualidade e projetos, no âmbito da SOPS”. Muitos desses estudos, amparados por este contrato guarda-chuva, dizem respeito a partes do projeto das barragens dos arroios Jaguari e do Taquarembó, o que pode ser facilmente verificado nos processos administrativos da SOPS. A rigor, a consultora se tornou um “escritório de projetos” para a SOPS, tratando de adaptações e atualizações nos projetos desses empreendimentos, originalmente propostos por outras empresas, entre outras tarefas. Essa atividade, iniciada em 2004 teve seqüência ao longo do tempo, por meio de aditivos diversos, como será a seguir comentado. PROCESSO: 4681-0801/03-3, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 23 de Julho de 2004, página 63.
III. Em 30 de Dezembro de 2004 o contrato foi aditado para “Readequação da programação de execução de itens, com acréscimo, e supressão de serviços constantes do cronograma físico financeiro do contrato, permanecendo inalterados os prazos e valor das parcelas”. PROCESSO: 4681-0801/03-3, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 31 de Dezembro de 2004, página 40.
IV. Em 28 de Março de 2006, houve o segundo aditamento, com objeto de “alteração dos quantitativos dos serviços discriminados nas propostas da empresa, consoante Informação nº227/05/PDPE, oriunda do processo nº1409-2200/05-2”. PROCESSO: 3576-2200/04-1, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 22 de setembro de 2006, página 41.
V. Em 19 de setembro de 2006 mais um aditivo, o terceiro, objetivando o “aditamento de acréscimo de serviços”. Processo Administrativo nº 3576-22.00/04-1, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 29 de junho de 2007, página 40.
VI. Finalmente, em 28 de junho de 2007, houve o quarto aditamento, que "visa aditamento de acréscimo de serviços com vistas ao atendimento ao constante dos Termos de Referências, integrantes deste processo, referentes aos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA – RIMA dos Sistemas que compõem todos os empreedimentos das Barragens dos Arroios Jaguari e Taquarembó, na Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria, Metade Sul do Estado, conforme acréscimos descritos na Cláusula Segunda deste aditivo". Processo Administrativo nº 3576-22.00/04-1, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 25 de setembro de 2007, página 92.


Logo, a consultora mencionada, que foi contratada em 2004 para servir de escritório de “serviços de consultoria, compreendendo apoio gerencial e operacional, elaboração de estudos técnicos, programas ambientais, diagnósticos, prognósticos, planos, sistemas, programas de qualidade e projetos” pela SOPS, atuando nas diversas alterações e adaptações dos projetos das barragens do Jaguari e do Taquarembó, é adiante contratada, pelo mesmo instrumento - o que é ainda mais grave - para elaborar o estudo de impacto ambiental de ambos os empreendimentos, em flagrante e inequívoca contradição ao que dispõe o Código Estadual de Meio Ambiente, em seu art. 76, parágrafo 1º, supra-mencionado.

Merece atenção a justificativa da SOPS (na época a Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano - SHSDU), para esse aditivo, como pode ser verificado textualmente no processo: empresa já havia realizado um estudo desta natureza para essas barragens que, porém, foi necessário alterar diante de Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente que restringe o licenciamento a barragens que tenham como objetivo principal a irrigação, como seria a natureza original do projeto; por isto, ele foi complementado de forma a inserir outros objetivos, como o abastecimento público, e isso motivou a necessidade de ser modificado o Estudo de Impacto Ambiental. Como a empresa já havia realizado o estudo na primeira versão, seria mais adequado que realizasse a complementação amparada pelo aditivo.

Portanto, no próprio texto do aditivo a SOPS confessa suas intenções de aprovar as barragens, seja de uma forma (para irrigação) ou de outra (para abastecimento).

A conclusão é que a consultora que realizou as adaptações ao projeto, para que ele pudesse contornar as restrições impostas pelo CONAMA, é a mesma que foi contratada para elaborar o EIA/RIMA destes empreendimentos, em um claro e inequívoco desrespeito ao § 1° do artigo 76 do Código Estadual de Meio Ambiente: “A empresa executora do EIA/RIMA não poderá prestar serviços ao empreendedor, simultaneamente, quer diretamente, ou por meio de subsidiária ou consorciada, quer como projetista ou executora de obras ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA)”.

Pelas razões amplamente demonstradas e que podem ser comprovadas por publicações no Diário Oficial do Rio Grande do Sul, e que poderão ser ainda mais aprofundadas em consultas aos processos da SOPS relativos ao contrato com a consultora, fica caracterizado que ela, responsável pela elaboração do EIA/RIMA das barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó:

a) dependia diretamente do proponente do projeto, em função de contrato guarda-chuva que vigia desde 2004, com objetivo de adaptar e alterar o projeto dos empreendimentos, entre outras funções;
b) prestou serviços ao empreendedor, simultânea e diretamente, ou por meio de membros da equipe técnica que elaborou os estudos, como projetista ou executora de serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), tendo como vínculo o mesmo contrato que amparou a elaboração do EIA/RIMA;
c) e, em função desses fatos, não possui a independência necessária e legalmente requerida pelas normas legais para produzir um estudo de impacto ambiental dos empreendimentos em apreço.


7.Conclusão final

Diante desses fatos, o bom senso, o espírito público e, salvo melhor juízo, a obediência à legislação impõem:

1. Que a FEPAM inabilite os EIA/RIMAs dos empreendimentos das barragens do arroio Jaguari e do arroio Taquarembó como peças para análise dos impactos ambientais desses empreendimentos;
2. Que a FEPAM determine ao empreendedor, a SOPS, que promova a contratação, por meio de licitação, de outra empresa real e comprovadamente independente, para realização de novos EIA/RIMAs;
3. Que a FEPAM, nos Termos de Referência que deverá elaborar para os novos EIA/RIMAs, assegure-se que sejam estes estudos sejam preparados com maior consistência e rigor técnico, dirimindo os problemas que foram brevemente apontados e outros facilmente constatáveis em uma análise mais apurada do material apresentado.


Finalmente, urge que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental volte a ser um órgão que promova efetivamente a proteção ambiental do estado, como diz seu próprio nome, e possa voltar a merecer a confiança do povo gaúcho nas questões ambientais.

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[1] UFSM (2004). Desenvolvimento de ações para implantação da Outorga na bacia do Rio Santa Maria, RS. Relatório Técnico Final UFSM/DRH/SEMA. 2004
[2] Rio Grande do Sul. Secretaria da Coordenação e Planejamento. Departamento de Estudos Econômicos e Sociais e Planejamento Estratégico. Rumos 2015: estudo sobre desenvolvimento regional e logística de transportes no Rio Grande do Sul / SCP-DEPLAN; DCAPET. Porto Alegre: SCP, 2006. 5 v.