domingo, 28 de novembro de 2010

Pobre amada Lavras do Sul


Lavras do Sul é um caso de amor recente. Há quatro anos, quando minha mulher e eu assumimos a fazenda de seu pai no Distrito de Ibaré, tivemos a oportunidade de conhecer esse paraíso escondido no verdadeiro Rio Grande do Sul profundo. A beleza de suas paisagens, no Pampa Gaúcho, seu povo amável e hospitaleiro, a vidinha tranquila de uma cidade de interior, onde as crianças andam pelas ruas sem os riscos das cidades grandes, e as pessoas sempre têm tempo para uma prosa, nos fazem pensar um dia poder dar um tempo na vida agitada de muitas viagens e nos aquerenciarmos por lá. Quem sabe um dia poder usufruir do melhor carnaval de rua do estado? E das praias de areias brancas do rio das Lavras? Conhecer pessoalmente e sem pressa a incrível paisagem do Rincão do Inferno, que pode ser vista em um curta metragem que passou recentemente na TV.
Porém a amada Lavras do Sul é pobre. Apenas um acesso asfaltado a liga ao Rio Grande do Sul desenvolvido, via Caçapava do Sul. A economia é baseada na produção primária. Não existe praticamente indústria, a não ser algumas poucas, com baixa tecnologia O comércio e os serviços, dada as dificuldades de acesso à sede municipal, são prestados por Bagé, São Gabriel e Dom Pedrito. Isso faz com que seja baixa a arrecadação municipal, e baixos os investimentos com recursos próprios. Grande é a dependência dos recursos aportados pelo estado e pela União. E poucos e mal aplicados esses investimentos. 

O passado da mineração
A história econômica do município teve grande influência da mineração do ouro, o que o próprio nome indica. Pelo o que se vê pela cidade, cumpriu o clássico ciclo dessa cadeia produtiva: o minério saiu do município em estado bruto e foi processado alhures onde o valor foi agregado, e a riqueza foi produzida fora de seus limites. Com o município ficaram empregos pouco especializados. Esgotados os veios auríferos, ficaram uma ou outra construção que testemunham épocas melhores. Suponho que a mineração ocorreu no Primeiro Distrito de Lavras, onde está a sede municipal. O estado do Rio Grande do Sul, o Brasil, e empresas mineradoras nacionais e multinacionais devem ter obtido grandes lucros, se pode supor; e pouco deixaram como contrapartida ao município e ao seu povo, como se pode verificar. 

Um futuro com novas possibilidades, ou repetição do passado?

Recente revista do Sindicato Rural de Lavras do Sul, distribuída durante a ExpoLavras 2010, enaltece duas oportunidades que surgem para o desenvolvimento do município: duas barragens em construção e a mineração de granito de especial qualidade, ambos empreendimentos no Segundo Distrito de Lavras, Ibaré. Aparentemente será cumprido novo ciclo de mineração, muito parecido com o do ouro em seus resultados para o município, em uma repetição do que ocorreu no passado, como será analisado a seguir.

As barragens

As barragens em construção têm sido apregoadas como a grande solução para as secas da região, como a que ocorre nesse momento, em novembro de 2010. Cabe entender que os armazenamentos de água beneficiam áreas a eles ligados hidraulicamente, seja por um curso de água natural (um rio) ou por um canal de adução. Essas áreas são restritas e se localizam a jusante – ou seja, abaixo – do reservatório. As demais áreas no entorno em nada se beneficiam, a não ser se caros recalques (levantes) de água sejam criados para levar água sobre pressão por meio de adutoras, a custos significativos de investimentos e energia.
Infelizmente, a localização do município em relação às barragens é pouco privilegiada. Além dos rios Jaguari e Taquarembó estarem nas divisas municipais com São Gabriel e Dom Pedrito, respectivamente, as barragens se localizam na parte final das áreas de domínio municipal, como pode ser visto na Figura abaixo, que foi retirada na página da Secretaria Extraordinária de Irrigação e Usos Múltiplos da Água - SIUMA.
Figura - Localização das barragens do Jaguari e Taquarembó (clicar para ampliar)
Fonte: SIUMA
Por isto, a barragem do Jaguari deverá beneficiar principalmente o distrito de Formosa, município de São Gabriel. A do Taquarembó possivelmente beneficiará algumas áreas de Dom Pedrito. Ambas deverão beneficiar certamente áreas irrigáveis do município do Rosário do Sul, que será o grande contemplado pelas barragens. A Figura mostra claramente isto, pela localização das áreas de várzea, às margens do rio Santa Maria, fora do município de Lavras do Sul. No caso adicional da barragem do Jaguari, estudo da Universidade Federal de Santa Maria mostra que devido ao excesso de usos de água para irrigação do arroz, autorizados ou não pelo Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, não haveria sequer possibilidade de se aumentar a área irrigada. A barragem seria usada tão somente para aumentar as garantias de suprimento aos atuais usuários, em São Gabriel e Rosário do Sul.
O que ficaria para Lavras do Sul dessas duas barragens? Geralmente essas obras movimentam a economia no seu entorno, pela contratação de serviços, na fase de suas construções. Não parece que isso esteja ocorrendo em Lavras do Sul. Os problemas de acesso fazem com que os poucos empregos não especializados gerados sejam ocupados pelos residentes em São Gabriel (barragem do Jaguari) e Dom Pedrito (barragem do Taquarembó). A maior parte dos empregos gerados, com renda mais expressiva, porém, exigem mão de obra especializada que vêm de fora desses municípios, às vezes de outros estados. Por isto, verifica-se que essas obras pouco ou nada estão mudando a economia do município de Lavras do Sul.
Estas barragens estimulariam o turismo no município? Pode ser, mas cabe perguntar que tipo de turismo? Pelo tipo de uso previsto das suas águas, os reservatórios das barragens estariam cheios ao final do inverno/primavera, esvaziando-se a partir de novembro para irrigação do arroz. No auge do verão, janeiro e fevereiro, quando poderia haver algum atrativo para recreação, deverão estar com seus níveis de água bastante reduzidos, deixando à mostra a parte que no inverno era afogada, com lama, banhados e condições pouco atraentes à recreação. Talvez, alguns privilegiados possam usufruir de esportes náuticos, sobre o espelho de água nas partes mais profundas, que seriam acessados por barcos. Mas por onde será feito o acesso desse pessoal? Pela cidade de Lavras do Sul, enfrentando 60 a 80 km de estradas de terra até as barragens? Ou a partir de São Gabriel (30 km para a do Jaguari) ou Dom Pedrito (5 a 10 km para a do Taquarembó)? Ou seja, se algum movimento turístico houver, algo duvidoso, será gerado em São Gabriel e em Dom Pedrito, devido às facilidades de acesso, e não em Lavras do Sul, tão longe.
Algo que pode ser mais bem avaliado pelos próprios moradores da cidade de Lavras do Sul é qual movimento turístico as praias fluviais do rio das Lavras e do Rincão do Inferno - que certamente apresentam maiores atrativos cênicos que terão os lagos das barragens - trouxeram para a cidade? Não parece crível que essas barragens superem o movimento que o potencial já existente oferece. Algo a se pensar.
Infelizmente, mantidas as coisas como estão, as barragens irão beneficiar outros municípios: São Gabriel, Dom Pedrito e, principalmente, Rosário do Sul. Lavras do Sul ficará com o ônus das terras alagadas: a perda das excelentes terras para pecuária do Segundo Distrito, cuja produção atual e futura será eliminada. Portanto, ao contrário das expectativas, é possível que as barragens resultem em perdas de arrecadação, não no seu aumento!

O granito

No caso da mineração do granito de Ibaré, também no Segundo Distrito, existe o risco de se passar por ciclo similar ao ouro. O granito bruto será retirado e levado para alhures, onde o processamento agregará valor e gerará riqueza. A ferrovia que corta Ibaré permite que isso ocorra, sem necessidade de investimentos. Para o município ficará o ônus ambiental e algum movimento econômico vinculado à contratação de mão-de-obra não especializada, além dos impostos gerados pela comercialização do granito bruto. Até que o veio se esgote, e a Vila de Ibaré entre, mais uma vez, em recessão. Para o Rio Grande do Sul, o Brasil e para as empresas que explorarão a lavra, ficarão os lucros reais, mais uma vez.

Conclusões e recomendações

Tudo indica que o município de Lavras do Sul repetirá a sua história econômica, cabendo-lhe o papel de gerador de riquezas que serão aproveitadas em outras paragens. E que, desta forma, se manterá com o quadro atual de baixa dinâmica econômica, e com uma economia baseada quase exclusivamente na produção primária. A única alteração é que na época do ouro a riqueza saía do Primeiro Distrito; agora sairá do Segundo. Mas coincidentemente, será também a mineração a atividade geradora: antigamente ouro; no futuro água e granito.
Será essa uma maldição eterna que sofrerá sua população amável e hospitaleira: ver sua riqueza gerar emprego e renda em outros lugares, seja ouro, água ou granito? Depende. Para evitar essa sina, cabe exigir uma atitude esclarecida e propositiva aos líderes políticos municipais. Algumas possibilidades, entre tantas, são:
  1. Avaliar profundamente, e com auxílio de especialistas, os reais benefícios que serão gerados para o município pelas barragens e pela exploração de granito. É importante entender que sempre existem interesses alheios aos do município sobre esses investimentos, e que buscam apresentar cenários otimistas que em nada condizem com a realidade, em uma tentativa, às vezes bem sucedida, de enganar pessoas mais crédulas e desinformadas. Por isto a necessária reflexão e o auxílio de especialistas não vinculados aos interesses que não são os do município, para melhor avaliar os reais interesses municipais sobre os investimentos apregoados;
  2. Exigir dos Governos Estaduais e Federais contrapartidas para as perdas de arrecadação decorrentes das áreas inundadas pelas barragens; elas podem ser obtidas com a garantia de que parte dos volumes de água acumulados nos reservatórios sejam obrigatoriamente destinados ao uso no município, algo que dependerá de haver aonde e como usar essa água, o que não é assegurado;
  3. Outra possibilidade, certamente mais efetiva, seria exigir investimentos públicos compensatórios, na forma de implantação de infra-estrutura, como estradas asfaltadas e isenções fiscais que atraiam indústrias de processamento da produção primária, de forma a dinamizar a economia municipal, gerando emprego e renda para a sua população.
Lavras do Sul precisa de uma reconversão econômica para superar os baixos índices de desenvolvimento que apresenta; tudo indica que, mantidas as perspectivas atuais, não serão as barragens, e talvez não seja a mineração de granito, exclusivamente, que permitirão que um crescimento auto-sustentado, com geração de emprego e renda para a sua população, aconteça. Os governantes municipais e a população devem entender que mais que uma reivindicação, eles tem o dever e o direito histórico de exigir um tratamento diferenciado e compensatório por parte dos governos estadual e federal.