sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

A farsa do processo de Licenciamento Ambiental

Continuando com o relato anterior ...

Os EIA/RIMAs que não existiram

Continuando com a história iniciada na inserção anterior, em 2007, soube que na biblioteca da FEPAM havia sido depositado um Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA e dado prazo para avaliação visando a concessão de Licença Prévia das barragens do Jaguari e Taquarembó. Ao consultar estes pretensos EIA/RIMAs não tive dúvidas a respeito a leviandade – para ser educado – com que estavam sendo tratadas as questões ambiental, econômica e social envolvidas. Eram documentos antigos, superficiais, com ausência de mapas e sem capítulos que apontassem medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos ambientais. Um verdadeiro acinte tanto ao meio ambiente, quanto aos técnicos da FEPAM, que deveriam aprovar este monte de papel sem qualquer relação com o que se deve exigir de um EIA/RIMA.

Nesse momento cometi um erro: em vez de chamar o Ministério Público, a polícia, os jornais para que testemunhassem o absurdo, deixei simplesmente uma anotação na biblioteca, no processo que controlava o acesso aos documentos, afirmando meu espanto e indignação pela maneira leviana e irresponsável com que questão tão relevante estava sendo tratada. Foi o que bastou para dias depois, ao retornar à biblioteca da FEPAM, verificar que os documentos haviam sido retirados. Ao procurar o diretor-presidente da época ele alegou, cinicamente, que tais documentos nunca haviam existido! Ou seja, o que eu havia folheado e lido era, por certo, uma alucinação de minha parte. Sorte minha que fotografei página por página tais documentos, e ainda guardo as fotografias, para me convencer que não eram produto de um pesadelo desvairado de minha parte. Mas serviu, pelo menos, para obter as áreas alagadas (sem qualquer credibilidade, diga-se de passagem), que passei aos proprietários afetados, como comentei na inserção anterior.

As LPs sem EIA/RIMA

Meses depois, ainda em agosto de 2007, verifiquei que haviam sido concedidas pela FEPAM Licenças Prévias às barragens, a despeito da não existência de EIA/RIMAs, algo impensável para obras deste porte e com os impactos ambientais que geram. Isto motivou uma representação ao Ministério Público Estadual que prontamente ajuizou a questão, levando o juiz de Lavras do Sul a cassar as LPs, pela falta de EIA/RIMAs, em setembro de 2007.

O TAC

Adiante, no mês de outubro de 2007, um Termo de Ajuste de Conduta foi assinado entre as partes – FEPAM/Governo do Estado, Ministério Público e Justiça, suspendendo a liminar que cassava as LPs, mas exigindo que o empreendedor, a Secretaria de Obras/Irrigação/RS, elaborasse os EIA/RIMAs e que eles fossem aprovadas pela FEPAM. Outro erro foi não ter questionado este TAC, pois ao suspender a liminar que cassava as LPs, elas voltaram a vigir. Em qualquer processo sério de Licenciamento Ambiental uma LP somente deve ser emitida após a aprovação dos EIA/RIMAs e não antes, como ocorreu.

Finalmente os EIA/RIMA, Audiências Públicas, LIs e início das obras; mas ...

Os EIA/RIMAS foram finalmente apresentados em maio de 2008, com várias falhas, equívocos e manipulações, como era de se esperar, tendo por base as manobras até então perpetradas pelos empreendedores. Havia não apenas carências nas avaliações dos impactos, mas também nas avaliações econômicas, sempre voltadas para minimizar ou ignorar os impactos ambientais, e inflar os pretensos benefícios, algo que adiante deverei comentar, em outra inserção. Isto motivou a apresentação de vários questionamentos à FEPAM, por parte de várias pessoas. E novas representações ao Ministério Público Estadual denunciando a má qualidade dos estudos de impacto ambiental.

Nada foi respondido e, de forma atropelada, Audiências Públicas foram realizadas em Junho e Julho de 2008. Ao contrário do que afirmam os defensores das barragens, não havia espaço para o contraditório nestas audiências considerando que a FEPAM solenemente ignorou as considerações apresentadas, a insuficiência e erros dos estudos realizados. As Audiências não eram para discutir e aprimorar os estudos de impacto ambiental, mas para festejar o cumprimento de mais um passo burocrático, na visão dos empreendedores, no sentido de implantar as barragens. Quem se arvorasse a condenar os estudos, teria seus 5 minutos de pesadelo, ante uma audiência convocada expressamente para aplaudir aquilo que não conhecia e com o que não se importava: a avaliação, mitigação e compensação de impactos ambientais.

Realizadas as Audiências Públicas, de forma burocrática, e antes que o Ministério Público se manifestasse sobre o cumprimento ou não do TAC, a FEPAM emitiu em Novembro de 2008 as Licenças de Instalação de ambas as barragens. As obras da barragem do Jaguari são iniciadas em Dezembro de 2008 e em Março de 2009 as da barragem do Taquarembó.

A avaliação do DAT/MPE sobre os EIA/RIMAs

No mesmo mês em que as obras da barragem do Jaguari eram iniciadas o Departamento de Assessoria Técnica do Ministério Público Estadual apresenta seu relatório mostrando várias inconsistências nos EIA/Rimas apresentados, confirmando e ampliando as críticas que foram apresentadas à FEPAM sobre os mesmos. Ao ser solicitada a avaliação da FEPAM sobre este relatório, os técnicos envolvidos no processo alegaram que o relatório do DAT/MPE chegou tarde, que o momento correto seria antes das Audiências Públicas, e afirmaram que os EIA/Rimas estavam adequados, que as obras foram iniciadas e que nada mais poderia ser feito. Ou seja: não apresentam qualquer argumentação para sustentar o que aprovaram, apenas afirmaram que "chegou tarde" a avaliação do DAT/MPE.

O processo protelatório

Inicia-se então um processo protelatório, voltado a se estabelecer um fato consumado, algo que não era recente, como o histórico acima demonstra. O Juiz de Lavras do Sul dá conhecimento dos autos à Procuradoria Geral do Estado em Maio de 2009, que só os devolve em Novembro de 2009 apesar de demandas realizadas por meio de cartas precatórias em Junho, Julho e Outubro de 2009. E nada de relevante é aportado pela PGE/RS, apesar do longo tempo que utilizou: 6 meses.

A decisão do Juiz de Lavras do Sul e suspensão das obras das barragens

Segue-se audiência convocada pelo Juiz de Lavras do Sul, da qual participam representantes do DAT/MPE, da FEPAM, da PGE/RS e membros das ONG ambientalistas AGAPAN e IGRÉ, que haviam sido admitidas como litis-consortis no processo, anteriormente. As partes apresentam suas argumentações e o Juiz fica de proferir sua sentença, o que ocorreu em 18 de Fevereiro de 2009. Vale reproduzir na íntegra sua sentença, com destaques que eu coloco:

Consulta de 1º Grau Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul
Número do Processo: 10700003536 Julgador: Felipe Valente Selistre
Despacho: Vistos. Trata-se de analisar pedidos formulados pelo Ministério Público e pelos litisconsortes ativos de suspensão da licença e das obras de construção das Barragens Jaguari e Taquarembó. Compulsando os autos, verifico que assiste razão ao Parquet, porquanto descumprido o Termo de Ajustamento de Conduta de fls. 151/155. Ora, não há nos autos nenhum estudo completo de impacto ambiental e sequer relatório conclusivo do impacto ao meio ambiente das obras em construção. Não obstante tenham sido apresentadas e atendidas algumas das exigências, não se verifica a apresentação de um estudo de impacto ambiental satisfatório. Tais documentos são indispensáveis à concessão da licença ambiental para instalação das obras, nos termos do art. 225, § 1º, inc. IV, da Constituição Federal. Destarte, diante da sua ausência, vedado está o prosseguimento do empreendimento, sob pena de causar danos ambientais de monta, cuja reparação será dificílima, senão impossível. A rigor, da forma como está procedendo a ré, sequer será possível quantificar os prejuízos ao meio ambiente. Em última análise, é preciso que a implantação do empreendimento se dê de forma responsável, visando a, na medida do possível, reduzir o impacto ambiental decorrente das obras, quanto mais se observado o porte das Barragens dos Arroios Jaguari e Tacuarembó. Observe-se, outrossim, que uma vez inexistentes tais documentos, e tendo em vista o descumprimento das obrigações assumidas perante o acordo homologado em juízo, permanecem hígidas as razões esposadas na decisão de fls. 149/150 ¿ cujos efeitos foram, apenas, suspensos, conforme decisão de fl. 156. Diante disso, e considerando as informações que aportaram aos autos de que as obras estão em construção desde janeiro (Jaguari) e agosto (Taquarembó) de 2009, determino a suspensão das licenças de instalação expedidas pela FEPAM, que autorizam a implantação das Barragens dos Arroios Jaguari e Tacuarembó, com a consequente imediata paralisação das respectivas obras. Em caso de descumprimento da presente decisão, incidirá multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por dia de descumprimento. De qualquer sorte, levando em consideração o interesse público que envolve a causa, determino, de ofício, a suspensão do processo pelo prazo de 02 (dois) meses, interregno em que a demandada deverá acostar aos autos estudo de impacto ambiental completo, com as especificações mencionadas pelo Ministério Público, através de sua Divisão de Assessoramento Técnico (a saber: os relatórios de fls. 279/288; 289/299; 395/402; 406/414, considerado, também, o conteúdo do parecer de fls. 520/522). Caso não adimplido, à integralidade, o TAC homologado, o feito retomará seu curso, com a abertura do prazo para defesa da demandada. Intimem-se.

A cassação da liminar, por meio de surpreendente agilidade da PGE/RS

O interessante neste caso foi a rapidez com que a PGE/RS - que havia levado 6 meses para avaliar os autos anteriormente - adotou para cassar a liminar do Juiz de Lavras do Sul, junto ao Tribunal de Justiça. Em 25/2/2009, uma semana após a liminar portanto, obteve a sentença que é em parte reproduzida a seguir, oriunda da página-web do Governo do RS:

"o presidente em exercício do Tribunal de Justiça, desembargador José Aquino Flores de Camargo, deferiu, nesta quinta-feira (25), pedido de suspensão de liminar do Estado referente às obras das barragens de Jaguari e Taquarembó. Pela decisão, o Estado já pode retomar as obras nas barragens. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) argumentou, no pedido, o dano ambiental que seria causado com a paralisação das obras e o prejuízo financeiro para o Estado".

Uma decisão baseada em uma premissa no mínimo polêmica: que paralisar obras que  geram enormes impactos ambientais causaria dano ambiental; e que seria demasiadamente oneroso! Desta forma, vale tudo: iniciar obras com grandes impactos ambientais sem licenças, ou com licenças ambientais sob questionamento: uma vez iniciadas elas não podem parar mais, pois isso causaria impactos ambientais, e sairia muito caro.

Para finalizar: dá para dizer que foi sério o processo de licenciamento ambiental das barragens?

O processo ainda está em andamento, com ofícios sendo juntados, dando-se conhecimento às partes, aguardando cumprimento de precatórias, etc. O fato é que o Juiz já entendeu que o TAC não foi cumprido e que os EIA/RIMAs são insuficientes, dando razão ao MPE e às ONGs que se incorporaram ao processo. Possivelmente na sua decisão haverá punições aos responsáveis por estes atos, caracterizados como crimes ambientais. Lamento que técnicos da FEPAM tenham servido de massa de manobra a estes interesses, venham a ser responsabilizados criminalmente por eles, quando certamente representam a parte menos representativa de todo este jogo de interesses. E que os reais responsáveis acabem por ficar isentos das punições, algo a ser verificado adiante.

Analisando toda esta movimentação, as manobras e artimanhas adotadas, buscando – e de forma bem sucedida – criar o “fato consumado” o que mais se pode dizer do processo de Licenciamento Ambiental se não que foi uma farsa? 

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