Os EIA/RIMAs que não existiram
Continuando com a história iniciada na inserção anterior, em 2007,
soube que na biblioteca da FEPAM havia sido depositado um Estudo de Impacto
Ambiental – EIA/RIMA e dado prazo para avaliação visando a concessão de Licença
Prévia das barragens do Jaguari e Taquarembó. Ao consultar estes pretensos EIA/RIMAs não tive
dúvidas a respeito a leviandade – para ser educado – com que estavam sendo
tratadas as questões ambiental, econômica e social envolvidas. Eram documentos antigos, superficiais, com ausência de mapas e sem capítulos que
apontassem medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos ambientais. Um
verdadeiro acinte tanto ao meio ambiente, quanto aos técnicos da FEPAM, que
deveriam aprovar este monte de papel sem qualquer relação com o que se deve
exigir de um EIA/RIMA.
Nesse momento cometi um erro: em vez de chamar o Ministério
Público, a polícia, os jornais para que testemunhassem o absurdo, deixei
simplesmente uma anotação na biblioteca, no processo que controlava o acesso
aos documentos, afirmando meu espanto e indignação pela maneira leviana e
irresponsável com que questão tão relevante estava sendo tratada. Foi o que
bastou para dias depois, ao retornar à biblioteca da FEPAM, verificar que os
documentos haviam sido retirados. Ao procurar o diretor-presidente da época ele
alegou, cinicamente, que tais documentos nunca haviam existido! Ou seja, o que
eu havia folheado e lido era, por certo, uma alucinação de minha parte. Sorte
minha que fotografei página por página tais documentos, e ainda guardo as
fotografias, para me convencer que não eram produto de um pesadelo desvairado
de minha parte. Mas serviu, pelo menos, para obter as áreas alagadas (sem qualquer credibilidade, diga-se de passagem), que
passei aos proprietários afetados, como comentei na inserção anterior.
As LPs sem EIA/RIMA
Meses depois, ainda em agosto de 2007,
verifiquei que haviam sido concedidas pela FEPAM Licenças Prévias às barragens,
a despeito da não existência de EIA/RIMAs, algo impensável para obras deste
porte e com os impactos ambientais que geram. Isto motivou uma representação ao
Ministério Público Estadual que prontamente ajuizou a questão, levando o juiz
de Lavras do Sul a cassar as LPs, pela falta de EIA/RIMAs, em setembro de 2007.
O TAC
Adiante, no mês de outubro de 2007, um Termo de Ajuste de
Conduta foi assinado entre as partes – FEPAM/Governo do Estado, Ministério Público
e Justiça, suspendendo a liminar que cassava as LPs, mas exigindo que o
empreendedor, a Secretaria de Obras/Irrigação/RS, elaborasse os EIA/RIMAs e que
eles fossem aprovadas pela FEPAM. Outro erro foi não ter questionado este TAC,
pois ao suspender a liminar que cassava as LPs, elas voltaram a vigir. Em
qualquer processo sério de Licenciamento Ambiental uma LP somente deve ser emitida após a aprovação dos EIA/RIMAs e não antes, como ocorreu.
Finalmente os EIA/RIMA, Audiências Públicas, LIs e início das obras; mas ...
Os EIA/RIMAS foram finalmente apresentados em maio de 2008,
com várias falhas, equívocos e manipulações, como era de se esperar, tendo por
base as manobras até então perpetradas pelos empreendedores. Havia não apenas
carências nas avaliações dos impactos, mas também nas avaliações econômicas, sempre voltadas para minimizar ou ignorar os impactos ambientais, e inflar os pretensos benefícios, algo que adiante deverei comentar, em outra inserção. Isto
motivou a apresentação de vários questionamentos à FEPAM, por parte de várias
pessoas. E novas representações ao Ministério Público Estadual denunciando a má
qualidade dos estudos de impacto ambiental.
Nada foi respondido e, de forma atropelada, Audiências Públicas
foram realizadas em Junho e Julho de 2008. Ao contrário do que afirmam os
defensores das barragens, não havia espaço para o contraditório nestas
audiências considerando que a FEPAM solenemente ignorou as considerações
apresentadas, a insuficiência e erros dos estudos realizados. As Audiências não eram para discutir e aprimorar os
estudos de impacto ambiental, mas para festejar o cumprimento de mais um passo burocrático, na visão dos empreendedores, no sentido de implantar as barragens. Quem
se arvorasse a condenar os estudos, teria seus 5 minutos de pesadelo, ante uma
audiência convocada expressamente para aplaudir aquilo que não conhecia e com o
que não se importava: a avaliação, mitigação e compensação de impactos
ambientais.
Realizadas as Audiências Públicas, de forma burocrática, e
antes que o Ministério Público se manifestasse sobre o cumprimento ou não do
TAC, a FEPAM emitiu em Novembro de 2008 as Licenças de Instalação de ambas as
barragens. As obras da barragem do Jaguari são iniciadas em Dezembro de 2008 e
em Março de 2009 as da barragem do Taquarembó.
A avaliação do DAT/MPE sobre os EIA/RIMAs
No mesmo mês em que as obras da barragem do Jaguari eram
iniciadas o Departamento de Assessoria Técnica do Ministério Público Estadual
apresenta seu relatório mostrando várias inconsistências nos EIA/Rimas
apresentados, confirmando e ampliando as críticas que foram apresentadas à
FEPAM sobre os mesmos. Ao ser solicitada a avaliação da FEPAM sobre este
relatório, os técnicos envolvidos no processo alegaram que o relatório do DAT/MPE
chegou tarde, que o momento correto seria antes das Audiências Públicas, e afirmaram
que os EIA/Rimas estavam adequados, que as obras foram iniciadas e que nada mais
poderia ser feito. Ou seja: não apresentam qualquer argumentação para sustentar o que aprovaram, apenas afirmaram que "chegou tarde" a avaliação do DAT/MPE.
O processo protelatório
Inicia-se então um processo protelatório, voltado a se
estabelecer um fato consumado, algo que não era recente, como o histórico acima demonstra. O Juiz de Lavras do Sul dá conhecimento dos
autos à Procuradoria Geral do Estado em Maio de 2009, que só os devolve em
Novembro de 2009 apesar de demandas realizadas por meio de cartas precatórias
em Junho, Julho e Outubro de 2009. E nada de relevante é aportado pela PGE/RS,
apesar do longo tempo que utilizou: 6 meses.
A decisão do Juiz de Lavras do Sul e suspensão das obras das barragens
Segue-se audiência convocada pelo Juiz de Lavras do Sul, da
qual participam representantes do DAT/MPE, da FEPAM, da PGE/RS e membros das
ONG ambientalistas AGAPAN e IGRÉ, que haviam sido admitidas como litis-consortis
no processo, anteriormente. As partes apresentam suas argumentações e o Juiz fica
de proferir sua sentença, o que ocorreu em 18 de Fevereiro de 2009. Vale
reproduzir na íntegra sua sentença, com destaques que eu coloco:
“Consulta de 1º Grau Poder Judiciário do
Estado do Rio Grande do Sul
Número do Processo:
10700003536 Julgador: Felipe
Valente Selistre
Despacho: Vistos.
Trata-se de analisar pedidos formulados pelo Ministério Público e pelos
litisconsortes ativos de suspensão da licença e das obras de construção das
Barragens Jaguari e Taquarembó. Compulsando os autos, verifico que assiste
razão ao Parquet, porquanto descumprido o Termo de Ajustamento de
Conduta de fls. 151/155. Ora, não há nos autos nenhum estudo completo de
impacto ambiental e sequer relatório conclusivo do impacto ao meio ambiente das
obras em construção. Não obstante tenham sido apresentadas e atendidas
algumas das exigências, não se verifica a apresentação de um estudo de
impacto ambiental satisfatório. Tais documentos são indispensáveis à
concessão da licença ambiental para instalação das obras, nos termos do
art. 225, § 1º, inc. IV, da Constituição Federal. Destarte, diante da sua
ausência, vedado está o prosseguimento do empreendimento, sob pena de causar
danos ambientais de monta, cuja reparação será dificílima, senão impossível.
A rigor, da forma como está procedendo a ré, sequer será possível
quantificar os prejuízos ao meio ambiente. Em última análise, é preciso que
a implantação do empreendimento se dê de forma responsável, visando a, na
medida do possível, reduzir o impacto ambiental decorrente das obras,
quanto mais se observado o porte das Barragens dos Arroios Jaguari e
Tacuarembó. Observe-se, outrossim, que uma vez inexistentes tais documentos,
e tendo em vista o descumprimento das obrigações assumidas perante o acordo
homologado em juízo, permanecem hígidas as razões esposadas na decisão de
fls. 149/150 ¿ cujos efeitos foram, apenas, suspensos, conforme decisão de fl.
156. Diante disso, e considerando as informações que aportaram aos autos de que
as obras estão em construção desde janeiro (Jaguari) e agosto (Taquarembó) de
2009, determino a suspensão das licenças de instalação expedidas pela FEPAM,
que autorizam a implantação das Barragens dos Arroios Jaguari e Tacuarembó, com
a consequente imediata paralisação das respectivas obras. Em caso de
descumprimento da presente decisão, incidirá multa de R$ 25.000,00 (vinte e
cinco mil reais) por dia de descumprimento. De qualquer sorte, levando em
consideração o interesse público que envolve a causa, determino, de ofício, a
suspensão do processo pelo prazo de 02 (dois) meses, interregno em que a
demandada deverá acostar aos autos estudo de impacto ambiental completo, com as
especificações mencionadas pelo Ministério Público, através de sua Divisão de
Assessoramento Técnico (a saber: os relatórios de fls. 279/288; 289/299;
395/402; 406/414, considerado, também, o conteúdo do parecer de fls. 520/522).
Caso não adimplido, à integralidade, o TAC homologado, o feito retomará seu
curso, com a abertura do prazo para defesa da demandada. Intimem-se.”
A cassação da liminar, por meio de surpreendente agilidade da PGE/RS
O interessante neste caso foi a rapidez com que a PGE/RS - que havia levado 6 meses para avaliar os autos anteriormente - adotou para
cassar a liminar do Juiz de Lavras do Sul, junto ao Tribunal de Justiça. Em 25/2/2009,
uma semana após a liminar portanto, obteve a sentença que é em parte reproduzida
a seguir, oriunda da página-web do Governo do RS:
"o presidente em
exercício do Tribunal de Justiça, desembargador José Aquino Flores de Camargo,
deferiu, nesta quinta-feira (25), pedido de suspensão de liminar do Estado
referente às obras das barragens de Jaguari e Taquarembó. Pela decisão, o
Estado já pode retomar as obras nas barragens. A Procuradoria-Geral do Estado
(PGE) argumentou, no pedido, o dano ambiental que seria causado com a
paralisação das obras e o prejuízo financeiro para o Estado".
Uma decisão baseada em uma
premissa no mínimo polêmica: que paralisar obras que geram enormes
impactos ambientais causaria dano ambiental; e que seria demasiadamente oneroso!
Desta forma, vale tudo: iniciar obras com grandes impactos ambientais sem
licenças, ou com licenças ambientais sob questionamento: uma vez iniciadas elas
não podem parar mais, pois isso causaria impactos ambientais, e sairia muito
caro.
Para finalizar: dá para dizer que foi sério o processo de licenciamento ambiental das barragens?
O processo ainda está em andamento, com ofícios sendo
juntados, dando-se conhecimento às partes, aguardando cumprimento de
precatórias, etc. O fato é que o Juiz já entendeu que o TAC não foi cumprido e
que os EIA/RIMAs são insuficientes, dando razão ao MPE e às ONGs que se incorporaram ao processo. Possivelmente na sua decisão haverá punições aos responsáveis por estes atos, caracterizados como crimes ambientais. Lamento que técnicos da FEPAM tenham servido de massa de manobra a estes interesses, venham a ser responsabilizados criminalmente por eles, quando certamente representam a parte menos representativa de todo este jogo de interesses. E que os reais responsáveis acabem por ficar isentos das punições, algo a ser verificado adiante.
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