Comarca de Lavras do Sul
Vara Judicial
Rua Júlio de Castilhos, 373
Processo nº:
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108/1.07.0000353-6 (CNJ:.0003531-61.2007.8.21.0108)
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Natureza:
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Ação Civil Pública
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Autor:
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Ministério Público
A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural-Agapan
Igré- Assoaciação Sócio Ambientalista
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Réu:
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Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler/Rs-FEPA
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Juiz Prolator:
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Juíza de Direito - Dra. Paula Machado Abero Ferraz
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Data:
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03/10/2016
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Vistos.
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO em face da FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUÍS
ROESSLER/RS – FEPAM, em que se pretende a declaração de nulidade das
licenças ambientais, Licenças Prévias nº 875/2007-DL e nº 876/2007-DL,
expedidas pela demandada em favor do Estado do Rio Grande do Sul (Secretaria de
Obras Públicas e Saneamento), para a construção de duas barragens, sob o
argumento de ausência de estudo prévio de impacto ambiental. Narou que, em
razão do recebimento de notícias de supostas irregularidades no processo de licenciamento
ambiental dos empreendimentos denominados Barragem do Arroio Taquarembó,
localizada nos Municípios de Dom Pedrito e Lavras do Sul, e Barragem do Arroio
Jaguari, localizada nos Municípios de São Gabriel e Lavras do Sul, passou a
acompanhar os respectivos trâmites administrativos, sendo apurado que, embora
tais empreendimentos tenham sido discutidos pelo Governo Estadual desde 1999,
tendo-se ciência desde então das exigencias ambientais para obtenção do
licenciamento, não foram adotados os necessários procedimentos, no entanto, a
autorização prévia foi concedida aos estabelecimentos. Teceu considerações
acerca do direito e, sustentando não haver subsídio legal para o deferimento
das licenças, postulou, liminarmente, a suspensão dos efeitos das Lecenças
Prévias nº 875/2007-DL e 876/2007-DL e, ao final, a nulidade destas. Juntou
documentos (fls. 38-148).
O pedido liminar foi deferido (fls. 149-150), vindo
aos autos, na sequência, manifestação ministerial requerendo a revogação dos
efeitos da liminar deferida e a homologação de ajuste firmado entre as partes,
através do qual a FEPAM contraiu a obrigação de apresentar Estudo de Impacto
Ambiental e Relatório Impacto ao Meio Ambiente EIA/RIMA (fls. 152-154), o que
foi acolhido (fl. 156).
Ato contínuo, a FEPAM passou a juntar documentos
(fls. 160-170, 173-183, 185-192, 195-205, 208-214, 217-221, 230/232, 243-245),
dos quais o Ministério Público teve vista, inclusive manifestando-se (172, 194,
207, 216, 222, 272).
A ASSOCIAÇÃO GAÚCHA DE PROTEÇÃO AO AMBIENTE
NATURAL – AGAPAN e a ASSOCIAÇÃO SOCIO-AMBIENTALISTA – IGRÉ manifestaram-se requerendo a habilitação como
litisconsortes ativos (fls. 247-248), o que, com a anuência do Ministério
Público (fl. 275), restou acolhido (fl. 276).
O Ministério Público acostou parecer/relatório de
vistoria elaborado por sua assessoria técnica e, apontando possível
desatendimento do TAC, postulou a intimação da demandada para prestar
eclarecimentos, bem como a intimação do Estado do Rio Grande do Sul para de
tudo tomar ciência e, querendo, manifestar-se (fls. 277/278, 279-300), o que
foi deferido (fl. 301).
A AGAPAN e a IGRÉ manifestaram-se, informando que a
FEPAM emitiu Licença de Instalação ao empreendimento no Arroio Jaguari e
postularam medida cautelar objetivando a paralização de qualquer procedimento
de instalação (fls. 305/307). Juntaram documentos (fls. 308-314).
Intimada, a FEPAM manifestou-se, sustentando o
cumprimento do TAC, bem como argumentou que as LPs nº 875/2007-DL e
876/2007-DL, que originaram a ação e o TAC, venceram e foram substituídas por
Licenças Prévias emitidas em 2008, já em conformidade com o TAC, com validade
de dois anos, as quais serviram de base para para a emissão das Licenças de
Instalação, estas em dezembro de 2008 e janeiro de 2009. Defendeu que
devidamente observadas as questões ambientais, rebatendo os pontos levantados
pela equipe técnica do DAT/MP (fls. 333-342).
Após manifestação da parte autora (fls. 345-347 e
371-373), designou-se audiência com todos os litigantes e interessados (fl. 374),
a qual foi realizada (fls. 393/394), com juntada de documentos - relatório de
vistoria DAT/MP - (fls. 395-416), oportunidade em que restou postergada a
análise do pedido cautelar apresentado pelos litisconsortes ativos AGAPAN e IGRÉ, bem como oportunizado
vista/carga dos autos à FEPAM para manifestação sobre todos os documentos e
manifestações contantes dos autos, o que fez às fls. 418-430, juntando
documentos (fls. 431-491).
O Ministério Público, sustentando não ter sido
cumprido a contento o TAC e juntando documentos (fls. 520-530), postulou o
restabelecimento da liminar para o fim de suspender os procedimentos de
instalação dos empreendimentos (fls. 517-519). No mesmo sentido, mas
referindo-se à medida cautelar anteriormente requerida, é a manifestação dos
liticonsortes ativos AGAPAN e IGRÉ (fls.
532-537), que também juntaram documentos (fls. 538-554), sendo acolhido o
pleito, determinando-se a suspensão das Licenças de Instalação expedidas pela
FEPAM relativas as Barragens de usos múltiplos dos Arroios Jaguari e
Taquarembó, bem como suspendeu-se o processo e determinou-se que a demandada
apresentasse o EIA/RIMA dos empreendimentos (fls. 555/556). Esta decisão restou
parcialmente suspensa pela Presidência do TJRS, em acolhimento ao pedido de
suspensão de liminar nº 70034861898 realizado pelo Estado do Rio Grande do Sul
(fls. 564-575 – 584-590), permanecendo, no entanto, suspenso o processo por
dois meses.
A demandada manifestou-se e juntou documentos (fls.
593/594, 595-2574 - vol. IV – XIV-
assim também o Estado, fls. 2576-2578).
O Ministério Público, sustentando não ter sido
cumprido a contento o TAC, inclusive argumentando que os documentos acostados
pela parte demandada já haviam sido apreciados anteriormente, pediu o
prosseguimento do feito (fls. 2579-2583), juntando, ainda, documentos (fls.
2584-2586), o que foi acolhido (fl. 2588; 2595/2596).
Retomado o curso do processo, a demandada
apresentou contestação. Sustentou não haver qualquer violação aos princípios
apontados na inicial. Disse que o rito legal com a finalidade de emitir as LPs
foi cumprido em atendimento ao TAC firmado no início da lide. Impugnou os
apontamentos técnicos levantados pelo DAT/MP (fls. 2597-2605).
O Ministério público apresentou réplica (fls.
2644-2650), com juntada de documentos (fls. 2651-2659); assim também os
litisconsortes ativos AGAPAN e IGRÉ
(fls. 2661-2664).
Durante a instrução foram ouvidas 15 testemunhas
(fls. 2719-2722, 2743-2748, 2752/2753, 2766-2774, 2801-2803, 2822-2834,
2869-2875, 2882-2883 e 2928-29-32).
Encerrada a fase instrutória e intimadas as partes,
o Estado do Rio Grande do Sul manifestou-se (fls. 2947-2949) e somente o
Ministério Público apresentou memoriais (fls. 2950-2960).
É o relatório.
Decido.
A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de
1981 - dispõe sobre as diretrizes da Política Nacional de Meio Ambiente-,
introduziu o conceito de licenciamento ambiental entre os instrumentos da
política brasileira no setor e atribuiu ao Conselho Nacional do Meio Ambiente -
CONAMA a autoridade para elaborar padrões ambientais a serem respeitados pelos
Estados-membros.
Há, portanto, uma delegação normativa
expressa aos órgãos estaduais, expedida pela Resolução CONAMA n° 237, de 19 de
dezembro de 1997, que está em perfeita harmonia com o sistema legal de proteção
ao meio ambiente e define:
Art. 1º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes
definições:
I - Licenciamento Ambiental: procedimento
administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização,
instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras
de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou
daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental,
considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas
aplicáveis ao caso.
II - Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual
o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de
controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física
ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou
atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou
potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar
degradação ambiental.
III - Estudos Ambientais: são todos e quaisquer
estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação,
operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento, apresentado como
subsídio para a análise da licença requerida, tais como: relatório ambiental,
plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar,
diagnóstico ambiental, plano de manejo, plano de recuperação de área degradada
e análise preliminar de risco.
IV - Impacto Ambiental Regional: é todo e qualquer
impacto ambiental que afete diretamente (área de influência direta do projeto),
no todo ou em parte, o território de dois ou mais Estados.
O que a parte demandante alega é que
não constam do processo de licenciamento ambiental das Barragens de usos
múltiplos dos Arroios Jaguari e Taquarembó estudo de impacto ambiental e respectivo relatório
(EIA/RIMA), os quais deveriam ter antecedido a Licença Prévia.
Assiste razão à parte demandante,
pois a própria Constituição Federal, em seu art. 225, IV, exige a apresentação
de EIA/RIMA nos casos de “atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente”, vale transcrever:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao
Poder Público:
[...]
IV - exigir, na forma da lei, para
instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
Importa observar que este dispositivo
estabelece presunção juris tantum de que toda atividade é causadora de
impactação ao maio ambiente, exigindo assim, a realização do estudo, conforme
ensina Celso Antônio Pacheco Fiorillo:
“Oportuno salientar que a Constituição Federal estabeleceu
uma presunção de que toda obra ou atividade é significativamente impactante ao
meio ambiente, cabendo, portanto, àquele que possui o projeto demonstrar o
contrário, não se sujeitando, dessa feita, à incidência e execução do
EIA/RIMA.”
Ocorre que, embora possível elidir
tal presunção, in casu, isso não é possível, pois as barragens são
sempre empreendimentos que causam impactos ao meio ambiente por expressa
disposição do art. 2˚ da Resolução CONAMA 001/86, não existindo margem de
discricionariedade ao administrador, o que torna obrigatória a elaboração do
EIA/RIMA:
Artigo 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto
ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem
submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter
supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais
como:
[...]
VII - Obras hidráulicas para exploração de recursos
hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de
saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e
irrigação, retificação de cursos d'água, abertura de barras e embocaduras,
transposição de bacias, diques;
Trata-se, assim, de absoluta
indispensabilidade de realização do Estudo de Impacto Ambiental – EIA e do
Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, consoante o disposto no art. 3º, da
Resolução CONAMA nº 237/97:
Art. 3º A licença ambiental para empreendimentos e
atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa
degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo
relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á
publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de
acordo com a regulamentação.
Impende frisar que, de acordo com as
normas acima mencionadas, o estudo de impacto ambiental será sempre prévio à
emissão da LP. Não é outro o entendimento do Tribunal de Contas da União − TCU,
em sua Cartilha de Licenciamento Ambiental:
[...]
Licença prévia – LP
A LP funciona como chancela do órgão
ambiental ao início do planejamento do empreendimento. Os artigos 4º a 6º da
Resolução Conama nº 06, de 16 de setembro de 1987, determinam que a licença
prévia deve ser requerida ainda na fase de avaliação da viabilidade do
empreendimento.
É a LP que aprova a localização e a
concepção e atesta a viabilidade ambiental do empreendimento ou atividade.
Qualquer planejamento realizado antes
da licença prévia é suscetível de alteração, como se verá no Capítulo V,
relacionado com a elaboração do projeto básico.
A licença prévia possui extrema
importância no atendimento ao princípio da precaução (inciso IV do artigo 225
da Constituição Federal), pois é nessa fase que:
• são levantados os impactos ambientais
e sociais prováveis do empreendimento;
• são avaliados tais impactos, no que
tange à magnitude e abrangência;
• são formuladas medidas que, uma vez
implementadas, serão capazes de eliminar ou atenuar os impactos;
• são ouvidos os órgãos ambientais
das esferas competentes;
• são ouvidos órgãos e entidades
setoriais, em cuja área de atuação se situa o empreendimento;
• são discutidos com a comunidade
(caso haja audiência pública) os impactos ambientais e respectivas medidas
mitigadoras e
• é tomada a decisão a respeito da
viabilidade ambiental do empreendimento, levando em conta a sua localização e
seus prováveis impactos, em confronto com as medidas mitigadoras dos impactos
ambientais e sociais.
O prazo de validade da Licença Prévia
deverá ser, no mínimo, igual ao estabelecido pelo cronograma de elaboração dos
planos, programas e projetos relativos ao empreendimento ou atividade, ou seja,
ao tempo necessário para a realização do planejamento, não podendo ser superior
a cinco anos, conforme preceitua o artigo 18, inciso I, da Resolução Conama nº
237, de 1997.
No mesmo sentido é a doutrina:
“Dado o seu papel
de instrumento preventivo de danos, é claro que para cumprir sua missão deve
ser elaborado antes da decisão administrativa de concessão da licença ou de
implementação de planos, programas e projetos com efeito ambiental no meio
considerado. Daí o nomen juris dado a esse instrumento pela nova Constituição:
‘estudo prévio de impacto ambiental’ ” . (in
MILARÉ, Édis e BENJAMIN, Antonio Herman. Estudo
Prévio de Impacto Ambiental. Teoria, Prática e Legislação. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993, pp 34-35.)
É esse estudo que guia o
administrador na emissão da licença ambiental. E a LP expedida sem a elaboração
do mesmo é ato sujeito à invalidação:
“O EIA é o guia
do administrador na emissão da licença. Não custa reafirmar que licença
ambiental emitida em desrespeito aos dispositivos constitucionais e
infraconstitucionais, assim como contrariando a principiologia do direito
ambiental e do próprio EIA, é ato sujeito à invalidação.” (in MILARÉ e
BENJAMIN, Op. Cit. p. 93)
Efetivamente, não foram realizados os
imprescindíveis estudos prévios, tanto que firmado um termo de ajustamento de
condutas às fls. 152-155 que não foi devidamente cumprido.
Portanto, ausente o EIA/RIMA antes da expedição das Lecenças Prévias nº 875/2007-DL e 876/2007-DL
pela demandada em favor do Estado do Rio Grande do Sul – secretaria de Obras
Públicas e Saneamento, empreendedor das denominadas Barragem do Arroio
Taquarembó, localizada nos Municípios de Dom Pedrito e Lavras do Sul, e Barragem
do Arroio Jaguari, localizada nos Municípios de São Gabriel e Lavras do Sul,
reputo tais licenças - LPs nºs 875/2007-DL e 876/2007-DL, fls. 132 e 134 –
inválidas.
Observo, outrossim, que as LPs nºs 875/2007-DL e 876/2007-DL foram
substituídas pelas LPs nºs1464/2008-DL e 1481/2008-DL expedidas em outubro de
2008, fls. 664-682, estas alegadamente precedidas de EIA/RIMA, conforme manifestado pela FEPAM às fls.
333-342, constando especificamente à fl. 337 que: “as citadas licenças sem EIA/RIMA que
originaram o acordo acima citado já venceram, e foram substituídas pelas LPs
com EIA/RIMA emitidas em 2008, com validade de dois anos, que serviram de base
para emissão das LIs em dezembro de 2008 e janeiro de 2009, hoje vigentes.”
No entanto, nessa mesma manifestação,
a FEPAM fez constar que “os condicionantes e solicitações expressas nas licenças emitidas em
2008 para os barramentos dos arroios Jaguarí e Taquarembó não tiveram por
objetivo superar todas as lacunas dos EIA/RIMAs, pois se assim agisse teria
como foco principal a complementação do EIA/RIMA, documento já disponibilizado
ao público e posteriormente recolhido, ao invés de garantir a integridade do
ambiente via o instrumento do licenciamento ambiental” (fl. 340).
Ora, se há lacunas no EIA/RIMA,
impõe-se a complementação, pois a licença, quando relativa à atividade sujeita
ao estudo prévio, é ato vinculado à realização [modo completo e profundo] do
EIA/RIMA. Não há espaço para discricionariedade do órgão ambiental competente
quanto à sua realização completa.
A discricionariedade aparece após sua
existência, merecendo destacar que esta discricionariedade é sui generis,
pois condiciona, se favorável o EIA/RIMA, a autoridade à outorga da licença e
se desfavorável autoriza a avaliação pela Administração da concessão ou não da
licença, constituindo-se este estudo em um elemento de restrição da
discricionariedade que ele mesmo criou.
De ressaltar, ainda, que o meio
ambiente possui conceito multifacetário, de modo que: “em que pese existir
uma inevitável associação entre o estudo prévio de impacto ambiental e o meio
ambiente natural, o EIA/RIMA não é um instrumento somente voltado a esse
aspecto. Assim é perfeitamente aplicável às demais “partições” do meio
ambiente, a saber, meio ambiente artificial, cultural e do trabalho...”. Aliás, é essa abertura de enfoque que possibilita a
concessão de licença ambiental mesmo com EIA/RIMA desfavorável, id est,
propicia a observância dos critérios de conveniência e oportunidade, com a
ponderação sobre a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento da ordem
econômica.
No caso aqui tratado, ao direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pode ser acrescentado a
observância ao direito fundamental à saúde (arts. 6º e 196 da Constituição
Federal), que se verá especialmente prestigiado com a conclusão de uma
importante obra de abastecimento de água para uma parte da região do pampa
gaúcho.
Neste aspecto, apontando por
amostragem, verifica-se que a demandada deslocou para momento posterior ao
EIA/RIMA as questões relativas aos usos futuros da água (vide fls. 426, §
2º; 599; 2752), como se fosse possível deixar em plano secundário uma das
principais motivações do empreendimento, qual seja, o consumo humano.
Refiro-me a apontamento por
amostragem, porque além do exemplo acima citado, foram feitos apontamentos
sobre alternativas locacionais, justificativas do empreendimento, áreas de
influência, gestão e desativação do empreendimento, diagnóstico meio biótico,
identificação e avaliação de impactos nos meios físico e biótico, medidas
mitigatórias e compensatórias e programas de controle e monitoramento; pontos
que não restaram satisfatoriamente esclarecidos.
Impende referir que os
empreendimentos em testilha são objetivados
pelo empreendedor desde idos de 1998, conforme se verifica dos
esclarecimentos expendidos por este, constantes às fls. 432-439, tendo, desde
então, ciência das exigências ambientais e importância destas.
Desse modo, tanto o empreendedor
tinha ciência da necessidade e tempo hábil à realização do EIA/RIMA completo e
aprofundado, quanto o órgão licenciador tinha o dever de exigi-lo antes da
concessão da Licença Prévia.
Consoante a prova colhida, a
flexibilização das exigências se deu com o objetivo de assegurar recursos
federais para realização dos empreendimentos, ostentando-se, para tanto, uma
aparente legalidade.
Com efeito, extrai-se da prova
colhida ao longo da instrução que restaram expedidas licenças prévias sem
suporte legal, inclusive sem apoio da equipe técnica de análise dos estudos,
esta que restou substituída. Nesse sentido, merece referência o que declarou a
testemunha Carlos Augusto de Lima Porto, em juízo, fls. 2745-2748, “[...] foi aberto um processo, com
uma documentação, essa que está se referindo aí e foi emitida uma LP anterior a
apresentação do EIA-RIMA. E aí, com a alegação de que era para obter recursos
federais e após foi revogada essa licença, e aí se fez o encaminhamento normal.
Daí que foi entregue os EIA-RIMA e analisados para produção da LP, nessa que eu
participei. Na primeira, não”, fl. 2746/v.
Ainda, as testemunhas Maria Isabel
Stumpf Chiapetti, Ana Lúcia Mastrascusa Rodrigues e João Carlos Portela Dotto,
em juízo, fls. 2767-2774, declararam que participaram do início do processo de
licenciamento, na primeira equipe, até setembro de dois mil e sete, e revelaram que a equipe de técnicos da FEPAM
não concordava com a expedição de licenças sem os estudos, tendo tal ocorrido
por ação da presidência da FEPAM, sem a participação da equipe. Disseram que
tinha muita pressão da presidente da FEPAM, Ana Pelini, para que a equipe
agilizasse o procedimento possibilitando a expedição das licenças sem os
necessários estudos e por não concordarem com forma de condução do processo,
uma vez que havia a possibilidade de o estudo chegar a conclusão de que o
empreendimento era inviável, a equipe optou por se substituída.
Outrossim, consoante o disposto no
art. 6ª, inciso IX da Lei das Licitações (Lei nº 8.666/93), em se tratando de
licenciamento ambiental de empreendimento dependente de licitação, o projeto
básico deve conter “adequado tratamento de impacto ambiental”, que se dará de
acordo com a legislação ambiental,em especial as Resoluções CONAMA 001/86 e
237/97.
Por sua vez, as exigências contidas
nos elementos constitutivos do projeto básico somente poderão ser atendidas se
este tiver por suporte EIA/RIMA, devidamente licenciado através da emissão da
LP, pelo órgão ambiental competente. Nesse sentido é a jurisprudência do TCU
(Acórdão 26/2002−TCU − Plenário; Acórdão 516/2003 −TCU− Plenário; Acórdão
1.572/2003–TCU – Plenário), merecendo citação o Acórdão 1306/2004, que trata da
construção das Barragens de Piaus/PI:
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União,
reunidos em Sessão Plenária, ante as razões expostas pelo Relator, em: 9.1.
recomendar ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e ao Ministério da
Integração Nacional - MI que estudem a viabilidade de adotar, na Rotina para o
Licenciamento Ambiental das obras sob sua responsabilidade, para obtenção da
licença prévia, a fim de guardar observância ao disposto no art. 8º, inciso I
da Resolução CONAMA nº 237/97, a seguinte seqüência: 9.1.1. encaminhar ao
órgão licenciador informações técnicas sobre a concepção e localização do
empreendimento, a fim de obter seu cadastramento e conhecer que estudos e
projetos serão necessários para licenciá-lo; 9.1.2. elaborar o EIA/Rima e
demais estudos exigidos pelo órgão licenciador, no caso de ter sido considerado
viável o empreendimento; 9.1.3. explicar o EIA/Rima aos interessados, no caso
de o licenciador convocar audiências públicas; 9.1.4. requerer e obter a
Licença Prévia para então elaborar o projeto básico; ou requerer a Licença
Prévia e iniciar a elaboração do projeto básico, na parte que não dependa de
definições emanadas da licença, finalizando sua elaboração após a obtenção da
mesma;[...] - grifo nosso
Destaca-se, ainda, o teor do Acórdão
1.869/2006-TCU-Plenário, o qual determina ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis- IBAMA que:
[…] 2.2.- quando da análise de estudos de impacto ambiental
e da expedição de licenças prévias:
2.2.1-emita Parecer Técnico Conclusivo, que exprima de forma
clara suas conclusões e propostas de encaminhamento, bem como sua opinião sobre
a viabilidade ambiental do empreendimento, conforme prescreve o art. 10 da
Resolução Conama n.º237/97;
2.2.2 - não admita a postergação de estudos de diagnóstico
próprios da fase prévia para fases posteriores sob a forma de condicionantes do
licenciamento, conforme prescreve o art. 6° da Resolução Conama n.°01/86; [...] - grifo nosso
De todo o processado, conclui-se que
a não realização do EIA/RIMA antes da expedição das Licenças
Prévias nº 875/2007-DL e 876/2007-DL as torna invávlidas.
Já quanto às LPs nºs1464/2008-DL e
1481/2008-DL, expedidas em outubro de 2008, fls. 664-682, verfifica-se que
precedidas de EIA/RIMA realizado de modo incompleto, insatisfatório, em
desacordo com as normas vigentes, uma vez que não permite identificar a
magnitude dos impactos do projeto (notadamente sobre a biota aquática e o
abastecimento humano), não sendo possível estabelecer quais as consequências
dessa lacuna à luz do princípio da precaução e prevenção.
Como cediço, a tutela constitucional
do meio ambiente é, essencialmente, antropocêntrica, isto é, a razão
fundamental da proteção do meio ambiente é a preservação do próprio ser humano.
Não se protege o Pampa Gaúcho porque este representa um bem jurídico autônomo,
em si, mas porque este representa um dos elementos indispensáveis à
sobrevivência do ser humano em um bioma único no território nacional.
Nesse contexto e observando que os
debatidos empreendimentos encontram-se em avançado estágio de construção, sendo
que a última informação constante dos autos, datada de 29/09/2011, aponta que a
Barragem do Arroio Taquarembó
conta com 85% das obras concluídas e a Barragem do Arroio Jaguari com 60%,
fl. 2681, tenho que os efeitos da presente decisão devem ser modulados, ante a
inviabilidade da restauração do status
quo ante.
A questão resolve-se, assim, pela rígida
fiscalização das obras e licenças faltantes, inclusive com a complementação dos
estudos anteriores de forma a fornecer subsídios conclusivos acerca da
magnitude dos impactos ambientais. Lado outro, eventuais danos devem ser
apurados e quantificados em ação própria, assim também eventual pedido de
indenização, conforme já aventado pela própria parte autora, fls. 2644-2650.
Diante
do exposto, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil,
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial
para o fim de:
a)
declarar a invalidade das licenças prévias nº 875/2007-DL e nº 876/2007-DL; b)
determinar à Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler/RS
(FEPAM) que, por ocasião da expedição das Licenças de Operação (LO), além dos
requisitos desta, exija a apresentação de todos os estudos, completos e
atualizados, necessários à concessão das licenças anteriores.
Tendo
em vista o decaimento mínimo, condeno a demandada ao pagamento da integralidade
das custas processuais.
Sem honorários.
Publique-se.
Registre-se.
Havendo recurso(s) – excepcionados embargos de declaração e
recurso adesivo – intime(m)-se, independentemente de conclusão (ato ordinatório
– arts. 152, VI, NCPC, e 567, XX, da Consolidação Normativa Judicial), a(s)
contraparte(s) para contrarrazões e após o MP (se for o caso de intervenção),
remetendo-se em seguida os autos à Superior Instância (art. 1010 § 3º,
CPC/2015).
Transitada em julgado e não havendo requerimentos
outros, arquive-se com baixa.
Lavras do Sul, 03 de outubro de
2016.
Paula Machado Abero Ferraz,
Juíza de Direito