sábado, 21 de março de 2009

Reportagem de Isto É: irregularidades nas obras das barragens do Jaguari e Taquarembó



A Revista Isto É, em sua edição de 25 de março de 2009, apresenta denúncias que confirmam suspeitas que já haviam sido publicadas no Jornal Zero Hora em 13 de setembro de 2008, e reproduzidas nesse blog, sobre os interesses não republicanos relacionados à construção das barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó. Abaixo apresenta-se a íntegra dessa reportagem.

A fonte ilegal de Padilha

Investigação da Polícia Federal e do Ministério Público descobre depósito de R$ 267 mil de empreiteira na conta do deputado do PMDB e o denuncia ao STF sob acusação de tráfico de influência

Hugo Marques

Um inquérito que tramita sob segredo de Justiça no Supremo Tribunal Federal (STF) mostra o envolvimento do ex-ministro dos Transportes e deputado Eliseu Padilha (PMDBRS) em crimes de tráfico de influência e fraudes em licitação. A Polícia Federal chegou ao nome do deputado peemedebista a partir da Operação Solidária, no Rio Grande do Sul, em 2007, que apontou irregularidades em contratos da merenda escolar em municípios gaúchos e indícios de fraude de R$ 300 milhões em obras públicas.

Uma das empresas investigadas era a MAC Engenharia, do empresário Marco Antonio Camino, mencionado como operador do esquema fraudulento. A polícia descobriu vários telefonemas dele para Padilha, um dos parlamentares mais influentes no Congresso Nacional e no PMDB. As escutas levaram à conclusão de que se tratava de tráfi- co de influência. ISTOÉ teve acesso aos relatórios da PF e a petições do Ministério Público Federal (MPF), que revelam um depósito de R$ 267 mil da MAC Engenharia na conta da empresa Fonte Consultoria Empresarial, cujos sócios são o deputado e sua esposa, Maria Eliane.

Numa das escutas transcritas no inquérito, Camino diz: "Aquele assunto que nós tratamos na terça-feira vai ser viabilizado 100, tá?", Padilha tenta entender o que o empresário diz: "Não ouvi, cortou." Camino repete: "Vai ser viabilizado 100." Não se sabe exatamente sobre o que os dois falavam, já que as conversas eram sempre cifradas. Aliás, em quase todos os grampos os interlocutores agiam assim. Ainda conforme a PF, com o uso de códigos nas licitações, os investigados direcionavam as obras importantes do Rio Grande do Sul para as empresas de interesse de Camino. Em outro diálogo, o empresário pede a Padilha que faça uma visita à MAC Engenharia. Camino demonstra interesse em conversar com o deputado do PMDB sobre licitações da Secretaria de Irrigação. Em nova conversa, Padilha faz referência a uma "boa notícia" que o empresário deu a ele.

O inquérito indicou elos entre a Operação Solidária e a Operação Rodin, que levantou desvios de R$ 44 milhões no Detran gaúcho. Segundo a PF, Camino teria recebido informações privilegiadas sobre recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT). De acordo com a polícia, quem repassou estas informações ao empresário foram os deputados Padilha e José Otavio Germano (PP-RS). A PF relata que o grupo teria montado um esquema para desviar dinheiro de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O advogado Eduardo Ferrão, que defende Padilha, confirmou à ISTOÉ que o deputado efetivamente recebeu dinheiro de Camino.

Mas os depósitos de R$ 100 mil, do diálogo grampeado, teriam sido feitos para pagamento de uma casa que Padilha teria vendido ao empreiteiro. Ferrão, porém, não explica o uso da linguagem codifi- cada para tratar de algo tão corriqueiro. Quanto aos R$ 267 mil que Padilha teria recebido da MAC Engenharia, o advogado diz que o MPF trocou o nome da empresa ao transcrever o relatório da Receita Federal.

O depósito, segundo ele, foi feito pela Magna Engenharia - empresa que não pertence a Camino. O deputado, durante o exercício do mandato, teria prestado serviços de consultoria à Magna Engenharia. Padilha enviou ao STF nota fiscal do pagamento da Magna à Fonte. A PF também vai cruzar as informações para verificar a veracidade de toda esta documentação, sobretudo, para confrontar datas. Em sua defesa, Padilha diz que "orientou" Camino, mas dentro da lei.

DISFARCE Empreiteiro usava nomes de várias empresas e informava a Padilha para ficar à frente em licitações

O MPF pediu no dia 16 de dezembro a quebra de sigilo da Fonte e da Rubi Assessoria, outra empresa da família Padilha. A MAC é citada em sete acórdãos do Tribunal de Contas da União (TCU), nos quais constam irregularidades em obras. A empresa trabalha na execução da duplicação de trechos gaúchos da BR-101. Para o MPF, não há dúvida sobre a participação de Padilha nos esquemas de Camino. "Diligências realizadas no curso da investigação trouxeram ao presente inquérito elementos probatórios que indicam a prática de crimes pelo deputado federal Eliseu Padilha, dentre eles tráfico de influência e fraudes em licitação", afirma o MPF.

GOVERNO Leodegard, secretário nacional de Saneamento, é acusado pela Polícia Federal de vazar informações sigilosas

Segundo a investigação, o grupo demonstra interesse em grandes obras, como a BR-470, que liga o Rio Grande do Sul a Santa Catarina, e está recebendo R$ 1,4 bilhão do PAC. A empresa de Camino tem interesse ainda na construção das barragens de Jaguari e Taquamembó, no Rio Grande do Sul, ambas também financiadas com recursos do PAC, mas tocadas pelo governo do Estado. As duas obras vão custar R$ 143 milhões. Padilha afirma que a MAC perdeu essas licitações.

No entanto, isso quer dizer pouca coisa, pois Camino costuma usar outros nomes jurídicos. No relatório, a PF diz que Camino, em uma conversa, avisa a Padilha que ele, Camino, "é a Ergo Construção", ou seja, representa outra empresa em um dos contratos e solicita a interferência do parlamentar para que "seja mantido" à frente de uma obra.

Camino nega tráfico de influência, fraudes em licitação e pagamento de propina para políticos. "Jamais existiu qualquer tipo de pagamento de recursos ilegais ou de propina ao senhor Eliseu Padilha", diz o advogado da MAC Engenharia, Felipe Pozzebon. "Vamos demonstrar equívocos e erros no inquérito, pois há interpretações nas degravações das escutas telefônicas que geram equívocos enormes."

PARCERIA Deputado José Germano, segundo a investigação, atuava em sintonia com Padilha para favorecer empreiteira

O relatório da PF cita algumas autoridades e órgãos públicos alvos do grupo, que teriam repassado informações privilegiadas para Camino. Um dos nomes citados no relatório é o do secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Leodegard da Cunha Tiscoski. Ex-deputado federal por Santa Catarina, Leodegard seria o responsável por repassar informações para os parlamentares ligados a Camino, de acordo com a PF. Por intermédio de sua assessoria, Leodegard negou qualquer privilégio ao grupo de Camino ou aos deputados Padilha e Germano.

"Nunca ouvi falar do nome de Camino", diz Leodegard, por meio de assessores. "Há mais de dois anos não falo com o Eliseu Padilha." A Operação Solidária identificou inicialmente um grupo especializado em superfaturar e desviar dinheiro da merenda escolar em prefeituras de cidades gaúchas, como Canoas, Gravataí e Sapucaia. A partir das escutas, chegouse ao esquema de fraudes em licitação e de informações privilegiadas de obras de infraestrutura.

As operações Rodin e Solidária têm alvos em comum. Na Rodin, que constatou fraude em licitação e superfaturamento em contratos do Detran gaúcho, um dos réus na Justiça Federal é o ex-diretor da Companhia Estadual de Energia Elétrica e extesoureiro do PP, Antonio Dorneu Maciel. Ele tinha contatos com o ex-secretário de Canoas Francisco Fraga, o Chico Fraga, também réu na Rodin e investigado na Solidária. "A mulher do Chico Fraga trabalhava no gabinete do Padilha aqui no Estado", diz o deputado Elvino Bohn Gass (PT), líder da oposição gaúcha. "Todos estes esquemas têm link, o da merenda, o da infraestrutura e o do Detran."

Novas ligações entre estes três escândalos podem surgir assim que forem divulgados os vídeos e depoimentos que estariam na Justiça Federal gaúcha. Em fevereiro, a deputada Luciana Genro (PSOLRS) denunciou caixa 2 na eleição de 2006 e disse que existem vídeos e depoimentos gravados. Segundo a denúncia do PSOL, a MAC Engenharia teria dado R$ 400 mil para a campanha do PSDB ao governo do Rio Grande do Sul. Outros R$ 400 mil teriam sido dados pelo deputado Germano. Informado sobre a reportagem de ISTOÉ, Germano não se pronunciou. O irmão dele, Luiz Paulo Rosek Germano, é réu na Justiça Federal por envolvimento no esquema do Detran

Fonte: Revista Isto É, 25 de março de 2009, no. 2054 ano 32, págs. 36 a 39.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog.
Somente hoje tomei conhecimento deste espaço.
Também tenho um área de terras que margeia o Jaguari, mais acima, perto do Ibaré.
Fiquei profundamente preocupado com os dados que você postou aqui.
É um dano ambiental irrerversível para a nossa região, que é uma das mais lindas do estado. Infelizmente o dano já está feito,e só nos resta ficar em alerta.

Saudações

Paulo