sábado, 2 de agosto de 2008

Barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó

O governo federal e o estadual do Rio Grande do Sul vêm anunciando a construção de duas de cerca de uma dúzia de barragens na bacia do rio Santa Maria, que se insere no bioma Pampa: as do arroio Jaguari (Lavras do Sul e São Gabriel) e Taquarembó (Dom Pedrito e Lavras do Sul). Essas barragens, que inundarão áreas importantes quanto à biodiversidade e a presença de espécies endêmicas, servirão para disponibilização de água para irrigação do arroz, primordialmente. A cultura de arroz gera outro impacto, ao ocupar áreas de preservação permanente, localizadas nas várzeas fluviais. Portanto, as barragens geram um duplo impacto: 1) pelas inundações que promovem em suas áreas de alagamento e 2) por gerarem outro tipo de agressão, representada pela expansão do arroz irrigado em áreas de várzea.

Recentemente foram apresentados Estudos de Impacto Ambiental e promovidas as respectivas Audiências Públicas. Chamam a atenção a má qualidade técnica, as omissões, e as falhas diversas que apresentam esses estudos que, por si só, seriam mais que suficientes para torná-los inaceitáveis. Algumas delas, que são as mais evidentes, mas que não esgotam o universo observado, serão a seguir comentadas. Mesmo que os EIA/RIMAs se refiram a sub-bacias distintas, nota-se no texto desses estudos uma grande repetição, resultado possível da pressa e do fato da mesma consultora tê-los elaborado. Por isto, os EIA/RIMAs de ambas as barragens apresentam praticamente as mesmas falhas e, por isto, serão analisados conjuntamente.

1. Os impactos ambientais das barragens não têm amparo na norma legal e os empreendimentos sequer apresentam viabilidade econoômica

Embora os estudos afirmem que o objetivo principal é o abastecimento público urbano das cidades de Rosário do Sul (barragem Jaguari) e Dom Pedrito (barragem Taquarembó), qualquer análise mais atenta percebe que o principal objetivo é a irrigação. Desde que foram iniciados os estudos das barragens de regularização da bacia do rio Santa Maria este tem sido o objetivo. No entanto, uma restrição ensejada pela Resolução 369/2006 do Conselho Nacional de Meio Ambiente - que dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente – APP - , impede este impacto quando derivado de projetos de irrigação. Entre as exceções estabelecidas por esta norma insere-se “I - utilidade pública: ... b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de ..., saneamento e ...”.
Fartas são as razões para que a supressão da vegetação em APPs seja restringida pela norma legal. Nos preâmbulos da Resolução mencionada algumas delas são arroladas:

Resolução CONAMA No 369, de 28 de março de 2006: Considerando o dever do Poder Público e da coletividade de proteger o meio ambiente para a presente e as futuras gerações; ... as responsabilidades assumidas pelo Brasil por força da Convenção da Biodiversidade, de 1992, da Convenção Ramsar, de 1971 e da Convenção de Washington, de 1940, bem como os compromissos derivados da Declaração do Rio de Janeiro, de 1992; ... que as Áreas de Preservação Permanente - APP, localizadas em cada posse ou propriedade, são bens de interesse nacional e espaços territoriais especialmente protegidos, cobertos ou não por vegetação, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; ... a singularidade e o valor estratégico das áreas de preservação permanente que, conforme indica sua denominação, são caracterizadas, como regra geral, pela intocabilidade e vedação de uso econômico direto; ... que as áreas de preservação permanente e outros espaços territoriais especialmente protegidos, como instrumentos de relevante interesse ambiental, integram o desenvolvimento sustentável, objetivo das presentes e futuras gerações; ... a função sócioambiental da propriedade prevista nos arts. 5 o , inciso XXIII, 170, inciso VI, 182, § 2 o , 186, inciso II e 225 da Constituição e os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador; ...que o direito de propriedade será exercido com as limitações que a legislação estabelece, ficando o proprietário ou posseiro obrigados a respeitarem as normas e regulamentos administrativos; o dever legal do proprietário ou do possuidor de recuperar as Áreas de Preservação Permanente - APP's irregularmente suprimidas ou ocupadas; ...que, nos termos do art. 8 o , da Lei n o 6.938, de 1981, compete ao Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos; e que, nos termos do art. 1 o § 2 o , incisos IV, alínea "c", e V, alínea "c", da Lei n o 4.771, de 15 de setembro de 1965, alterada pela MP n o 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, compete ao CONAMA prever, em resolução, demais obras, planos, atividades ou projetos" de utilidade pública e interesse social.

Para evitar esta restrição foi inserido outro objetivo que atende às possibilidades de supressão da vegetação das Áreas de Proteção Permanente, segundo a resolução mencionada: ou seja, os EIA/RIMAs alegam que os empreendimentos se destinam ao abastecimento de Rosário do Sul (Jaguari) e Dom Pedrito (Taquarembó). A própria justificativa para contratação da empresa consultora por parte da Secretaria de Obras Públicas e Saneamento - SOPS (na época a Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano - SHSDU), revela, textualmente, que a empresa já havia realizado um estudo desta natureza para essas barragens que, porém, foi necessário alterar diante de Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente que restringe o licenciamento a barragens que tenham como objetivo principal a irrigação, como seria a natureza original do projeto; por isto, ele foi complementado de forma a inserir outros objetivos, como o abastecimento público, e isso motivou a necessidade de ser modificado o Estudo de Impacto Ambiental. Portanto, no próprio texto da contratação do estudo ambiental das barragens, que será adiante mais bem comentado, a SOPS confessa suas intenções de aprovar as barragens, seja de uma forma (para irrigação, como originalmente) ou de outra (para abastecimento, alternativa adotada para permitir contornar a restrição da resolução CONAMA supramencionada).

Ora, é fácil dimensionar que para abastecer cidades deste porte não há necessidade de barragens tão grandes como as propostas. O município de Dom Pedrito tinha em julho de 2006 42.151 habitantes e o de Rosário do Sul 41.497, segundo estimativas do IBGE. Mesmo supondo que a população aumente à média nacional, também estimada pelo IBGE, em 2050 as populações seriam não mais que 40% maiores, ou seja, 60.000 habitantes em Dom Pedrito e em Rosário do Sul. A uma taxa de uso de água na base de 200 l/hab/dia, geralmente adotada, bastariam 12.000 m3/dia para abastecer cada município ou uma vazão regularizada nos pontos de captação de cada cidade de 0,14 m3/s. Mesmo que se imagine que a região venha a passar por um grande processo de desenvolvimento, liderando nesse aspecto o estado do Rio Grande do Sul, e suas populações dobrem até 2050, a demanda hídrica para abastecimento de cada município será da ordem de uns 0,30 m3/s e ambos demandarão menos de 1 m3/s.

Embora os EIA/RIMA não informem as vazões regularizadas em cada barragem – o que pode ser mais uma tentativa de ocultar as verdadeiras intenções: irrigação -, por suas dimensões, elas deverão ter, isoladamente, vazões regularizadas várias vezes superiores ao valor que atenderia à demanda de abastecimento das cidades nomeadas. Estudo anterior estimou a vazão regularizada apenas na barragem do arroio Jaguari como 4 m3/s, bem mais que 10 vezes o que é necessário para abastecimento de Rosário do Sul, na hipótese mais exagerada de que sua população dobre até 2050!

A rigor, para abastecer as cidades de Dom Pedrito e Rosário do Sul, bastaria uma solução sem previsão obras e, portanto, sem impactos ambientais: o maior controle das outorgas de direitos de uso de água nos períodos de estiagem mais intensa, quando é conhecido que o uso indiscriminado de água para irrigação de arroz causa os problemas de abastecimento mencionados. Outra alternativa complementar à anterior seria aumentar a eficiência do uso de água na lavoura de arroz. Como última opção, caso se tomasse a má decisão (técnica, econômica e ambiental) de serem construídas barragens, provavelmente elas não seriam localizadas nos eixos propostos e teriam dimensões bem inferiores às que estão dimensionadas.

Esta análise, que deveria ser apresentada na hipótese de não realização do empreendimento, obrigatório em um estudo deste tipo, não foi realizada. Ao contrário mostrou-se uma situação de graves problemas de abastecimento, como se a única solução fosse as barragens previstas, nos locais e dimensões apontados.
A não consideração de alternativas tecnológicas e locacionais para o abastecimento público dessas cidades não atendeu às exigências do Código Estadual de Meio Ambiente, instituído pela Lei Nº 11.520, de 03 de agosto de 2000.

Lei Nº 11.520, de 03 de agosto de 2000: Art. 73 - O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), além de atender à legislação, em especial os princípios e objetivos desta Lei e seu regulamento e os expressos na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, obedecerá as seguintes diretrizes gerais:
I - contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização do empreendimento, confrontando-as com a hipótese de sua não execução;
....
§ 2° - O estudo da alternativa de não execução do empreendimento, etapa obrigatória do EIA, deverá incluir discussão sobre a possibilidade de serem atingidos os mesmos objetivos econômicos e sociais pretendidos ou alegados pelo empreendimento sem sua execução.

Isso compromete mais uma vez a qualidade formal dos EIA/RIMAs apresentados, mostrando que a empresa consultora ou não tinha competência técnica para elaboração desses estudos ou achava-se capturada pelos interesses do empreendedor.

No caso da barragem do Jaguari o problema é ainda maior: no próprio EIA/RIMA é comentada a existência do canal de grandes dimensões (cerca de 40 km de canal revestido!), e que demanda grandes investimentos, para levar água para irrigação de lavouras de arroz. Caso a irrigação fosse meramente um efeito colateral do projeto, ou um objetivo secundário, não haveria previsão dessa estrutura dispendiosa. Isto comprova que o objetivo principal das barragens é a irrigação e que, colateralmente, existiria o abastecimento das cidades, apesar de que poderiam contar com alternativas mais eficientes para alcançarem este benefício.

Adicionalmente: se o principal objetivo das barragens é o abastecimento de Dom Pedrito e de Rosário do Sul nas análises de suas alternativas tecnológicas e locacionais deveriam ser consideradas barragens com dimensões exclusivas para o atendimento dessas demandas, o que não foi apresentado. Certamente, essas barragens teriam dimensões muitíssimo inferiores às com que foram dimensionadas com impactos sociais e ambientais também muito inferiores. Ou seja, existe uma alternativa tecnológica, associada à mesma locação, que implicaria em menores custos econômicos, ambientais e sociais, representada por barragens de menor porte que permitiriam o abastecimento das cidades aludidas.

Mesmo sendo contrário à legislação caberia uma última reflexão: barragens desse porte, com os custos de investimento que requerem, não são alternativas economicamente viáveis para a irrigação do arroz. A razão percebível nitidamente é que esse cereal não gera renda compatível para recuperar investimentos deste porte. Isso pode ser claramente constatado pelo fato de que as regiões menos desenvolvidas do estado do Rio Grande do Sul serem aquelas que têm na orizicultura sua principal atividade econômica. Fosse ao contrário, essas seriam as regiões com maior desenvolvimento econômico. A bacia beneficiada, por exemplo, do rio Santa Maria, apresenta a maior área irrigada do RS e, em contraste, uma produção bruta que a coloca bem abaixo da média estadual. Insistir na expansão da orizicultura como única alternativa de crescimento econômico é persistir na manutenção desse quadro de atraso.

Uma questão fundamental que deveria também ter sido analisada, e sequer é citada no EIA/Rima da barragem do arroio Jaguari, é um estudo da Universidade Federal de Santa Maria, em 2004[1], para o Departamento de Recursos Hídricos da Secretaria Estadual de Meio Ambiente. Ele concluiu que não existem condições de ampliação das áreas de cultivo orizícola nessa bacia. A área desenvolvida acha-se muito além da possibilidade de suprimento com as águas desse manancial, e a construção dessa barragem viria a meramente reduzir os riscos de racionamento da área de arroz atualmente cultivada. Isto poderia alterar totalmente as conclusões e talvez os rumos do empreendimento: afinal, nem este objetivo, que sub-repticiamente tem sido usado para levar adiante o empreendimento, mesmo que sem amparo da lei, mostra ser viável tecnicamente!

Um estudo lançado no final de 2006, contratado pelo Governo do Rio Grande do Sul, o Rumos 2015[2], propôs estratégias de desenvolvimento para o estado, por região funcional. Naquela que abrange a bacia do rio Santa Maria não houve previsão de implantação de barragens de irrigação. No que se refere à orizicultura foram propostos 4 programas; nenhum deles envolve a construção de barragens e um programa propõe a restauração das matas ciliares, enquanto as barragens acarretarão as suas eliminações. Eles são:
Rio Grande do Sul (2006): Rumos 2015
1. Desenvolvimento de pesquisas e divulgação, voltado a um melhor manejo agrícola, com projetos voltados à pesquisa de novos cultivares, divulgação de informações tecnológicas, capacitação em novas técnicas e gestão da comercialização;
2. Capitalização do potencial ambiental, voltado ao melhor controle e à eficiência no uso da água nas áreas irrigadas;
3. Manutenção do potencial ambiental, que propõe a proteção e recuperação do ambiente, em especial a restauração das matas ciliares;
4. Suprimento de infra-estruturas, que se reporta a um “upgrade” em armazenamento.


É importante reforçar que este estudo preconiza para a região a capitalização e a manutenção do potencial ambiental, enquanto as barragens promovem exatamente o contrário. E mostra que a solução para impulsionar o desenvolvimento passa por pesquisas e divulgação de técnicas de melhor manejo agrícola, incluindo a comercialização e o armazenamento. Esse estudo, acatado pelo atual governo do estado, poderá melhor direcionar os esforços de desenvolvimento da região, usando os mesmos recursos disponibilizados pelos governos federal e estadual para essas barragens, com resultados certamente mais vantajosos sob os enfoques econômico, social e ambiental. O que pode ser demonstrado é maus investimentos são piores do que investimento nenhum pois eles, sem apresentar resultados estruturantes, acabam por determinar que a região alcance prioridades menores nas futuras oportunidades que surjam, pelo fato de já ter sido beneficiada anteriormente e com resultados medíocres.

O governo do estado, que enfrenta sérios problemas financeiros, ao realizar investimentos em barragens que não passariam em qualquer análise mais criteriosa de eficiência econômica, comete o mesmo erro de tantos governos passados, e que levaram às atuais dificuldades financeiras. Mais uma vez, e como não poderia deixar de ser, será a sociedade gaúcha que pagará futuramente por estas más escolhas, na forma serviços públicos com coberturas insuficientes e de baixas qualidades. E a manutenção da situação de estagnação da região pretensamente beneficiada com índices de desenvolvimento abaixo da média estadual.

Em conclusão, tanto o empreendedor, a Secretaria de Obras Públicas e Saneamento, quanto a empresa consultora, usaram de artifícios para eximirem os projetos do que é disposto na Resolução CONAMA 369/2006, em uma evidente tentativa de contornar a lei, mas sem que na prática isto aconteça: o projeto tem na irrigação seu principal uso, e que determinam as grandes dimensões e grandes impactos das barragens, e não poderiam ter as Áreas de Preservação Permanentes suprimidas. Além disto, elas não gerarão sequer benefícios econômicos que possam justificar – mesmo à margem da lei – a supressão da vegetação nas Áreas de Preservação Permanente, constituindo-se, claramente, em prejuízos para a sociedade gaúcha.

2. Outros propósitos sem coerência técnica: recreação e controle de cheias

Outro propósito que é apresentado em ambos os EIA/RIMAs é igualmente injustificável: propiciar atividades de recreação e lazer (banhos de lago ou de rio) nos reservatórios e na praia fluvial de Areias Brancas em Rosário do Sul. Novamente, quando este problema ocorre na praia mencionada, ou seja, nas maiores estiagens do rio Santa Maria, é ocasionado pelo excesso de uso de água nas lavouras de arroz. As mesmas soluções alternativas sem obras poderiam ser propostas. Além disto, pode-se cogitar a hipótese de construção de um dique que eleve as águas do rio, a jusante da praia, de forma a mitigar os problemas de baixas vazões. Seria o piscinão de Rosário do Sul. Além disso, resta a pergunta óbvia: é legítimo comprometer o ambiente com tantos impactos para que a população de Rosário do Sul possa se refrescar no verão?

Quanto às oportunidades de recreação nos lagos das barragens, existe outro exagero. Os locais são de difícil acesso, existem outros locais mais próximos às cidades beneficiadas que podem propiciar o mesmo tipo de lazer, e esse tipo de lazer, relacionado ao usufruto do ambiente natural, não apresenta carência na região.

Os estudos também apontam mais um propósito que não é apresentado com consistência: o controle de cheias. Ora, reservatórios que são usados para regularização, de forma a suprir usos (irrigação do arroz ou abastecimento público, etc) devem permanecer cheios para armazenar água e com isto não poderiam acomodar a não ser as primeiras enchentes que ocorram após a estação de estiagem. Como as grandes enchentes ocorrem na primavera, os reservatórios estarão cheios com as chuvas de inverno e em nada, ou muito pouco, contribuirão para este propósito. Caso houvesse esta preocupação deveria ser apresentado o volume de espera de cheias (ou seja, o volume reservado para acomodá-las) com que são projetados os reservatórios – eles sequer são mencionados. Além disto, para que se possa controlar cheias, os vertedores que escoam as enchentes deveriam ter comportas que permitissem o controle dos escoamentos em diversas situações de armazenamento. Como não existem esses dispositivos, a única conclusão é que esse propósito foi inserido sem maior consistência, em mais uma tentativa de justificar as obras, contra os fatos.

3. Conclusão parcial

Por todos esses fatores, cabe a conclusão parcial: os reservatórios dos arroios Jaguari e Taquarembó têm como objetivo primordial a irrigação de arroz, ao contrário do que os EIA/RIMAs declaram; os demais propósitos que são apresentados com destaque são meramente uma tentativa de manipulação dos fatos e de contornar as restrições da Resolução CONAMA 369/2006.

Essa tentativa grosseira de falsear a realidade mostra tão somente que a empresa consultora não tem a independência necessária do empreendedor para elaborar um estudo de impacto ambiental baseado em análises criteriosas.

4. Os impactos ambientais

A análise de impactos ambientais apresentada apresenta inúmeras falhas, resultantes do que parece ser urgência da empresa encarregada do estudo em oferecer os seus resultados. Nota-se a falta de estudos de campo que possam respaldar as afirmações que são realizadas. Freqüentemente são feitas referências a informações obtidas em outras bacias, que não as do arroio Jaguari e Taquarembó, desconhecendo que o meio ambiente é variável e dinâmico, e não algo uniforme.

Alguns pontos mais expressivos:

Serão mais de 1.132 hectares de florestas de galeria que deverão ser suprimidas ou sucumbirão com estas duas obras. Uma fauna raríssima e ameaçada, e as florestas mais contínuas (Matas em Galeria) da região do Pampa desaparecerão. Na área prevista para o alagamento das barragens, é de 1.579.106 (um milhão quinhentos e setenta e nove mil e cento e seis) árvores nativas deverão ser suprimidas na estimativa dos próprios estudos. A grande maioria de espécies que não existe em nenhum viveiro do Estado. Esta quantidade corresponde ao total de árvores que ocorre nas ruas de Porto Alegre, cidade considerada mais arborizada do Brasil. Considerando cada caso:

1) Barragem do arroio Jaguari: com área prevista para o alagamento de 2.752 hectares. Da imensa área a ser alagada há o impacto de perda de 766 hectares de florestas nativas, com densidades de mais de 1.577 árvores (com diâmetro de mais de 5 cm) por hectare. Seriam 1.207.982 árvores suprimidas segundo o estudo, ou 141.675 m3 de madeira/lenha. Seriam perdidos também 1.986 ha de campos, lavoura, pastagens, entre outros usos.

2) Barragem do arroio Taquarembó. A área a ser alagada corresponde ao curso de água do arroio Taquarembó. Em uma extensão de 1.350 hectares, serão perdidos 366 hectares de florestas nativas, o que corresponde, segundo dados do EIA/Rima, a 371.124 árvores a serem suprimidas. O volume de madeira/lenha a ser retirado ou perdido é de 103.884 m3. Também seriam perdidos 984 hectares de campos, banhados, lavouras e outros usos.


Os estudos de impacto não fazem referência as espécies da flora ameaçada de extinção pelo Decreto Estadual 42.099/2002. Corticeiras, figueiras, araucárias e outras espécies que sendo retiradas exigem reparações não foram contabilizadas, embora existam em grande número nas áreas a serem inundadas. Os levantamentos são insuficientes, com amostragens escassas (apenas 80 árvores), não tendo amostragens quantitativas de campo.

Nestas áreas existem espécies de fauna de mamíferos ameaçados como gato maracajá (Leopardus wiedii), veado catingueiro (Mazama gouazoupira), gato-do-mato (Oncifelis geofroy), entre outros.

Considerando o dano/benefício, fica evidente que a barragem de Jaguari inundará uma área muito maior (2.752 hectares) e irrigará uma área muito menor (17 mil hectares) em comparação à do Taquarembó.

As duas barragens, com cerca de 30 m de altura têm o objetivo de irrigar monoculturas em grandes extensões, inclusive monoculturas arbóreas (eucaliptos). Ironicamente, os EIA/RIMAs afirmam que um dos objetivos das barragens também é a "utilização de água como elemento de preservação ambiental, evitando a migração de espécies da fauna em busca de água e estimulando a procriação pela oferta da mesma". Esta é mais uma constatação de que a consultora encontrava-se capturada pelos interesses do empreendedor, não tendo elaborado uma peça de análise isenta, como a lei exige.

No Estudo de Impacto Ambiental da barragem do Jaguari não foram analisados os impactos das obras de distribuição de água, como canais e aquedutos, em especial o canal revestido de 40 km que será usado para adução de água da barragem do Jaguari aos usuários de água para irrigação de arroz. Ao se colocar como obstáculo ao livre trânsito de um lado para o outro do canal ele poderá ser uma barreira importante, interrompendo corredores ecológicos que passem pelo seu eixo, devendo ser previstas alternativas para os seus restabelecimentos.

Provavelmente esta questão não foi considerada para que não fosse chamada muita atenção sobre este canal, e seu custo, que mostraria o que a realidade afirma, mas o empreendedor e a consultora negam: que a barragem tem como principal objetivo a irrigação de arroz.

Outros impactos relevantes decorrem dos efeitos na qualidade e quantidade das águas resultantes das modificações do uso do solo promovidas pelo empreendimento, visto que a região já se encontra sobre ameaças causadas pela expansão da silvicultura que, conjugadas com inundação de vastas áreas e expansão da área de arroz irrigado, poderão afetar o seu delicado equilíbrio ambiental. Isto se reveste de especial relevância, pois se sabe que existe grande passivo ambiental na bacia do rio Santa Maria, ocasionado pela ocupação das Áreas de Preservação Permanente – as várzeas fluviais – pela orizicultura. Os EIA/Rimas não apresentaram formas de se resgatar esse passivo ambiental, ao contrário, o projeto se caracteriza por aumentá-lo mais ainda.

Sobre os aspectos relacionados aos recursos hídricos, os EIA/Rimas não propõem vazões ecológicas a serem mantidas a jusante das barragens – ou seja, vazões que minimamente atendam às demandas do equilíbrio ecológico - por meio de métodos consistentes com o estado-da-arte. Também não atendem à demanda de implantação de instrumentos de gestão de recursos hídricos na bacia, que promovam, em especial, o aumento da eficiência do uso de água para irrigação do arroz, que permitiria grandes avanços na utilização conjunta de água sem impactos ambientais.

O projeto de monitoramento das vazões e da qualidade da água dos reservatórios dos arroios Jaguari e Taquarembó é insuficiente, e não há referência à implantação de uma rede de monitoramento das águas subterrâneas, que poderão ser afetadas pelos empreendimentos.

Outro aspecto que chama a atenção é que o Governo do RS anuncia que essas duas são as primeiras de cerca de uma dúzia barragens a serem instaladas na bacia do rio Santa Maria. Como se sabe amplamente, existem efeitos cumulativos e sinérgicos de barragens sobre o meio ambiente, de forma a desaconselhar que seus impactos sejam analisados isoladamente. Um estudo de impacto ambiental criterioso deveria considerar todos os aproveitamentos de recursos hídricos da bacia do rio Santa Maria, de forma integrada, conjugados com os impactos da silvicultura, que se apresenta relevante na realidade atual. Pelo menos, ambas as barragens deveriam ser objeto de um único EIA/Rima.

5. Impactos sociais

Os impactos nos proprietários das terras inundadas também foram insuficientemente considerados. A rigor, em nenhum momento houve qualquer tentativa de contatá-los para explicar o que seria o projeto e como seriam promovidas as desapropriações. Os levantamentos fundiários, inclusive, estão desatualizados, mencionando pessoas com nomes incompletos (apenas o prenome) e outras que não são mais proprietárias na área afetada.

6. As atitudes do governo do RS

O que mais chama a atenção nesse processo de aprovar essas barragens, porém, foi o lamentável comportamento do governo do estado do Rio Grande do Sul e dos dirigentes de seu órgão ambiental, a FEPAM. Eventos que deveriam constranger a sociedade gaúcha foram perpetrados na ânsia de aprovar, de qualquer maneira, essas obras, sem qualquer análise técnica, econômica, social e ambiental criteriosa.

Este verdadeiro repertório de práticas censuráveis foi iniciado em 20 de março de 2007 por um anúncio no Diário Oficial do RS, em sua página 16, que os EIA/RIMAS das barragens estariam disponibilizados na biblioteca da FEPAM para consulta. Ao tomar conhecimento destes estudos o autor dessa representação constatou uma tentativa grosseira de apresentar relatórios ultrapassados e carentes de conteúdo técnico como se fossem RIMAs. Foi deixada uma nota manuscrita em protesto na biblioteca da FEPAM, que foi suficiente para a retirada dos pretensos RIMAs e a afirmação do seu presidente da época, feita na presença do autor, de que eles nunca existiram, em uma tentativa hipócrita de negar uma evidência publicada no Diário Oficial do RS! Com isto foi possível interromper a manobra do governo e obrigar à FEPAM a exigir um EIA/RIMA das obras, algo que não deveria ser necessário, pois está nas suas obrigações como órgão de proteção ao meio ambiente.

Não melindrada pelo ocorrido, em agosto de 2007, a FEPAM emitiu “Licenças Prévias de EIA-RIMA” que autorizaram, sem haver necessidade para tal, a “continuidade do procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio” dos empreendimentos das barragens do arroio Jaguari e Taquarembó. Este tipo de licença não faz parte dos documentos que são requeridos pela legislação ambiental; dar continuidade ao “procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio” é uma obrigação da FEPAM para a qual não há necessidade de autorização. O que foi mais grave é a exigência de publicação no “Diário Oficial do Estado e em periódico diário de grande circulação regional na área do empreendimento”, o pedido de licenciamento, “informando que a FEPAM emitiu Licença Prévia para continuidade do licenciamento, através do instrumento EIA-RIMA”. Ou seja, o objetivo era tão somente iludir a terceiros (possivelmente o Governo Federal que financia os empreendimentos pelo PAC) levando ao entendimento equivocado que as Licenças Prévias haviam sido efetivamente emitidas.

Isso motivou uma representação que o signatário apresentou ao Ministério Público Estadual que acionou a justiça que veio a suspender, liminarmente, essas licenças.
Em virtude do ocorrido, foi homologado no final de 2007 um Termo de Ajuste de Conduta – TAC entre o Governo do RS e o MPE relativo às LP sem EIA/RIMA. O item 5 das resoluções é constrangedor: “a FEPAM se compromete a impedir o início de qualquer obra referente aos empreendimentos enquanto não finalizado todo o processo de licenciamento de instalação”.

A FEPAM foi também obrigada até o dia 10 de cada mês comprovar a implementação das providências apresentadas em um cronograma de elaboração do EIA/EIMA. Um item dispõe que a FEPAM, “na eventual concessão das LPs ...”; ou seja: no TAC está claro que as LPs não foram emitidas. No entanto, se houver consulta à página da FEPAM pode-se verificar que estas LPs irregulares ainda estão lá, iludindo os incautos. Isto pode ser verificado, para a barragem do Jaguari, em www.fepam.rs.gov.br entrando com o número 13990567070 na caixa “Consulta Rápida a andamento de Processo”. Possivelmente esta “licença” foi apresentada ao governo federal como a licença prévia, mas não corresponde à verdade – não existe LP para essas obras, ainda. Tanto é que apenas mais recentemente, em 9 de maio de 2008, o Diário Oficial do Rio Grande do Sul, na página 53, anunciou que os EIA/RIMAs dessas barragens estariam na biblioteca da FEPAM para consulta dos interessados. A mesma consultora que havia elaborado o pretenso estudo para a barragem do arroio Jaguari, apresentou novas versões, para ambas as barragens.

Cabe alertar que Estudos Prévios de Impacto Ambiental são legalmente normatizados no estado do Rio Grande do Sul pelo Código Estadual de Meio Ambiente, instituído pela Lei Estadual nº 11.520, de 03 de agosto de 2000. Nesta lei - visando a evitar que a empresa contratada para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental de um empreendimento seja “contaminada” pela vontade de aprová-lo face à sua captura pelos interesses do empreendedor, como parece ter ocorrido no caso das barragens aludidas, de forma objetiva ou subjetiva - é disposto:

Lei Estadual nº 11.520, de 03 de agosto de 2000 - Código Estadual de Meio Ambiente: Art. 76 - O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) serão realizados por equipe multidisciplinar habilitada, cadastrada no órgão ambiental competente, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados, não podendo assumir o compromisso de obter o licenciamento do empreendimento.
§ 1° - A empresa executora do EIA/RIMA não poderá prestar serviços ao empreendedor, simultaneamente, quer diretamente, ou por meio de subsidiária ou consorciada, quer como projetista ou executora de obras ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA).
§ 2° - Não poderá integrar a equipe multidisciplinar executora do EIA/RIMA técnicos que prestem serviços, simultaneamente, ao empreendedor.


No entanto, pode ser mostrado com facilidade que esta consultora tem um longo envolvimento com esses empreendimentos, o que deveria inabilitá-la para elaborar os seus EIA/RIMAs à luz da legislação. A saber:

I. Em 2001, a empresa Beck de Souza Engenharia Ltda apresentou um estudo denominado Estudo de Impacto Ambiental do Sistema de Irrigação Projetado na Bacia Hidrográfica do Arroio Jaguari em contrato com Secretaria de Obras Públicas e Saneamento – SOPS, atual Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano, o empreendedor dessas obras, cuja folha 7 esclarece que as suas atividades foram iniciadas em conjunto com os técnicos da empresa responsável pelo Projeto Final de Engenharia do Sistema de Irrigação da Bacia do Arroio Jaguari. Esse foi o estudo apresentado como um pretenso EIA/Rima das barragem do Jaguari em março de 2007. Esta declaração atesta que o envolvimento da consultora responsável pela elaboração dos EIA/RIMAs das barragens com os projetos e viabilização dos empreendimentos é antigo
II. Ademais, em 22 de Julho de 2004 a consultora foi contratada pela SOPS para “Execução dos serviços de consultoria, compreendendo apoio gerencial e operacional, elaboração de estudos técnicos, programas ambientais, diagnósticos, prognósticos, planos, sistemas, programas de qualidade e projetos, no âmbito da SOPS”. Muitos desses estudos, amparados por este contrato guarda-chuva, dizem respeito a partes do projeto das barragens dos arroios Jaguari e do Taquarembó, o que pode ser facilmente verificado nos processos administrativos da SOPS. A rigor, a consultora se tornou um “escritório de projetos” para a SOPS, tratando de adaptações e atualizações nos projetos desses empreendimentos, originalmente propostos por outras empresas, entre outras tarefas. Essa atividade, iniciada em 2004 teve seqüência ao longo do tempo, por meio de aditivos diversos, como será a seguir comentado. PROCESSO: 4681-0801/03-3, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 23 de Julho de 2004, página 63.
III. Em 30 de Dezembro de 2004 o contrato foi aditado para “Readequação da programação de execução de itens, com acréscimo, e supressão de serviços constantes do cronograma físico financeiro do contrato, permanecendo inalterados os prazos e valor das parcelas”. PROCESSO: 4681-0801/03-3, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 31 de Dezembro de 2004, página 40.
IV. Em 28 de Março de 2006, houve o segundo aditamento, com objeto de “alteração dos quantitativos dos serviços discriminados nas propostas da empresa, consoante Informação nº227/05/PDPE, oriunda do processo nº1409-2200/05-2”. PROCESSO: 3576-2200/04-1, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 22 de setembro de 2006, página 41.
V. Em 19 de setembro de 2006 mais um aditivo, o terceiro, objetivando o “aditamento de acréscimo de serviços”. Processo Administrativo nº 3576-22.00/04-1, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 29 de junho de 2007, página 40.
VI. Finalmente, em 28 de junho de 2007, houve o quarto aditamento, que "visa aditamento de acréscimo de serviços com vistas ao atendimento ao constante dos Termos de Referências, integrantes deste processo, referentes aos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA – RIMA dos Sistemas que compõem todos os empreedimentos das Barragens dos Arroios Jaguari e Taquarembó, na Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria, Metade Sul do Estado, conforme acréscimos descritos na Cláusula Segunda deste aditivo". Processo Administrativo nº 3576-22.00/04-1, Diário Oficial do Rio Grande do Sul, Edição de 25 de setembro de 2007, página 92.


Logo, a consultora mencionada, que foi contratada em 2004 para servir de escritório de “serviços de consultoria, compreendendo apoio gerencial e operacional, elaboração de estudos técnicos, programas ambientais, diagnósticos, prognósticos, planos, sistemas, programas de qualidade e projetos” pela SOPS, atuando nas diversas alterações e adaptações dos projetos das barragens do Jaguari e do Taquarembó, é adiante contratada, pelo mesmo instrumento - o que é ainda mais grave - para elaborar o estudo de impacto ambiental de ambos os empreendimentos, em flagrante e inequívoca contradição ao que dispõe o Código Estadual de Meio Ambiente, em seu art. 76, parágrafo 1º, supra-mencionado.

Merece atenção a justificativa da SOPS (na época a Secretaria de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano - SHSDU), para esse aditivo, como pode ser verificado textualmente no processo: empresa já havia realizado um estudo desta natureza para essas barragens que, porém, foi necessário alterar diante de Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente que restringe o licenciamento a barragens que tenham como objetivo principal a irrigação, como seria a natureza original do projeto; por isto, ele foi complementado de forma a inserir outros objetivos, como o abastecimento público, e isso motivou a necessidade de ser modificado o Estudo de Impacto Ambiental. Como a empresa já havia realizado o estudo na primeira versão, seria mais adequado que realizasse a complementação amparada pelo aditivo.

Portanto, no próprio texto do aditivo a SOPS confessa suas intenções de aprovar as barragens, seja de uma forma (para irrigação) ou de outra (para abastecimento).

A conclusão é que a consultora que realizou as adaptações ao projeto, para que ele pudesse contornar as restrições impostas pelo CONAMA, é a mesma que foi contratada para elaborar o EIA/RIMA destes empreendimentos, em um claro e inequívoco desrespeito ao § 1° do artigo 76 do Código Estadual de Meio Ambiente: “A empresa executora do EIA/RIMA não poderá prestar serviços ao empreendedor, simultaneamente, quer diretamente, ou por meio de subsidiária ou consorciada, quer como projetista ou executora de obras ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA)”.

Pelas razões amplamente demonstradas e que podem ser comprovadas por publicações no Diário Oficial do Rio Grande do Sul, e que poderão ser ainda mais aprofundadas em consultas aos processos da SOPS relativos ao contrato com a consultora, fica caracterizado que ela, responsável pela elaboração do EIA/RIMA das barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó:

a) dependia diretamente do proponente do projeto, em função de contrato guarda-chuva que vigia desde 2004, com objetivo de adaptar e alterar o projeto dos empreendimentos, entre outras funções;
b) prestou serviços ao empreendedor, simultânea e diretamente, ou por meio de membros da equipe técnica que elaborou os estudos, como projetista ou executora de serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), tendo como vínculo o mesmo contrato que amparou a elaboração do EIA/RIMA;
c) e, em função desses fatos, não possui a independência necessária e legalmente requerida pelas normas legais para produzir um estudo de impacto ambiental dos empreendimentos em apreço.


7.Conclusão final

Diante desses fatos, o bom senso, o espírito público e, salvo melhor juízo, a obediência à legislação impõem:

1. Que a FEPAM inabilite os EIA/RIMAs dos empreendimentos das barragens do arroio Jaguari e do arroio Taquarembó como peças para análise dos impactos ambientais desses empreendimentos;
2. Que a FEPAM determine ao empreendedor, a SOPS, que promova a contratação, por meio de licitação, de outra empresa real e comprovadamente independente, para realização de novos EIA/RIMAs;
3. Que a FEPAM, nos Termos de Referência que deverá elaborar para os novos EIA/RIMAs, assegure-se que sejam estes estudos sejam preparados com maior consistência e rigor técnico, dirimindo os problemas que foram brevemente apontados e outros facilmente constatáveis em uma análise mais apurada do material apresentado.


Finalmente, urge que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental volte a ser um órgão que promova efetivamente a proteção ambiental do estado, como diz seu próprio nome, e possa voltar a merecer a confiança do povo gaúcho nas questões ambientais.

________________________________________
[1] UFSM (2004). Desenvolvimento de ações para implantação da Outorga na bacia do Rio Santa Maria, RS. Relatório Técnico Final UFSM/DRH/SEMA. 2004
[2] Rio Grande do Sul. Secretaria da Coordenação e Planejamento. Departamento de Estudos Econômicos e Sociais e Planejamento Estratégico. Rumos 2015: estudo sobre desenvolvimento regional e logística de transportes no Rio Grande do Sul / SCP-DEPLAN; DCAPET. Porto Alegre: SCP, 2006. 5 v.

7 comentários:

Antonio L.Philomena disse...

Prezado Colega
Parabenizo pela iniciativa e pelo vetor que se tornou, movendo esta área ambientalista que no Estado do RS estava moribunda.
Pode contar conosco aqui no sul do Sul.
Saudações ecológicas.
A.L.Philomena

Anônimo disse...

Caro Prof. Lanna:
Parabéns, a hora do resgate da verdade e necessária defesa desse importante Fator de Produção da Atividade Econômica -Natureza-, no contexto do Centro Sul do Estado, é de vital importância a Sustentabilidade do Estado, até mesmo quanto ao aspecto de impedir a manutenção de Paradigmas de ditas Lideranças Locais e Regionais que tentam bitolar a ficar restrita, tão somente ao que quando lhes conveniente tratam como Agronegócio.
Conte com este seu Colega de Luta e por certo, embora sem suas autorizações, com todos do nosso GGCom, que quer queiram, ou não os ditos Órgãos da Sociedade Regional que compõem o Parlamento das Águas da BHRSMaria, ou não teve o Mérito, ou Demérito, no primeiro quadrimestre de 2007, de também tomar medidas cidadãs, conforme colocado em Audiência Pública de 08de julho de 2008, pela FEPAM, que motivaram a dita Audiência, que embora todas as Listas de Abaixo Assinados e de Apoio Popular, podem ficar certos, Não se Confirmariam em referendo através de Votação Secreta junto a Comunidade Pedritense, em que esta fosse consultada de maneira livre e independente e sem pressões econõmicas sobre a sociedade de maneira coletiva.

Anônimo disse...

Prezado Professor Lamas

Parabens pela tua luta contra obras que são verdadeira aberrações contra a natureza.
Não falaste sobre o número de pequenas barragens e acudes que serão inviabilizados com a construção dos canais para suprimento de água para a irrigação.
Num pais tão necessitado vamos fazer duas obras que inviabilizarão outras já construídas (ver no Eath Google)e que tiveram altos custos.
Temos exemplos das três barragens as Vac 3, 4 e 6 em São Gabriel que estão abandonadas, embora construídas com dinheiro público.
Um forte abraço

Henrique Wittler

Henrique Wittler disse...

Até esta data não se tem conhecimento do traçado dos canais na forma de projeto executivo, existe anteprojeto.
Tal falta pode por em risco a existencia da própria barragem, ficando mais um elefante branco no meio do pampa.
Os proprietários de açudes e barragens ao longo do traçado do canal estão dispostos a suprimir suas obras e passar á ser abstecido pelas grandes barragens?

WydTorial disse...

Adorei o que vc postou no blog

ótimo motivo para alertar as pessoas a cuidar do panpa como ele merese.

wlw

°~°

Marcelo Prevedelo Dalmolin disse...

Pois bem. Você chegou a conclusão de que o principal objetivo é a irrigação de lavouras de arroz, tendo como objeto secundário o abastecimento público. Você diz isso em tom de indignação, como se fosse um crime de lesa-pátria expandir uma cultura agrícola. Sabemos que a Metade Sul é uma região pobre, com poucas perspectivas econômicas. Uma das únicas atividades - senão a única - produtivas é a cultura do arroz, que você condena. Ora, menos de 10% das lavouras da região são irrigadas. Com essas barragens, a área irrigada aumentaria exponencialmente, maximizando a produção e, consequentemente, a renda. Todos nós sabemos os benefícios que o agronegócio traz para a economia. E os poucos produtores da região que estão "ligados" à agroindústria conseguem índices de produtividade de primeiro mundo. Essas barragens servirão para ampliar a área produtiva.

HidroLógicas disse...

Prezado Sr. Marcelo Prevedelo Dalmolin
Grato por seu comentário. Quanto às suas poderações devo esclarecer que não sou contra a irrigação em qualquer forma, e tão pouco contra a orizicultura irrigada. O problema, como em postagem mais recente mostro, é que os investimentos em obras dessa natureza (grandes barragens com grandes áreas alagadas e consequentes impactos ambientais e sociais) não apresentam rentabilidade quando destinadas à irrigação do arroz. Essas obras, a do Jaguari e a do Taquarembó, trarão prejuízo ao estado. Melhor seria se os recursos fossem destinados a melhoria da infraestrutura de transporte e de armazenagem da região. Ou a contrução de micro-açudes para amparo a um maior número de agricultores. Ou à atração de indústrias de processamento da produção.
Essas barragens não aumentarão “exponencialmente” a área irrigada; ao contrário. A do Jaguari, sequer aumentará a área irrigada – tão somente fará com que as áreas já implantadas contem com maiores garantias de acesso à água. Os números que o governo apresenta estão inflacionados e o tempo mostrará isso com clareza. Na verdade, o que se pode deprender das últimas notícias, é que essas obras se destinam claramente a atender a interesses que não são os da sociedade gaúcha, ou da região do Pampa.
Quanto à região Sul, acredito que tenha grande potencial de desenvolvimento faltando apenas que alguns gargalos sejam superados. As oportunidades não se resumem apenas ao arroz. Acrescente-se a pecuária de corte, que produz a melhor carne do mundo em campo nativo do Pampa; o turismo rural e cultural; a agroindústria, entre outras possibilidades.
Certamente não serão essas duas barragens, e as demais que estão planejadas, que contribuirão para isso. Elas drenarão recursos escassos que poderiam ser usados de forma mais produtiva. E a região continuará no processo atual de empobrecimento, enquanto alguns poucos se locupletam. Infelizmente é essa a realidade.