sábado, 8 de janeiro de 2011

A seca de 2010/2011 na Campanha Gaúcha


A seca que ocorre nesse final de 2010, início de 2011, com grandes prejuízos ao meio rural da Campanha Gaúcha, demanda uma reflexão por parte dos afetados. Entre eles me incluo, como proprietário rural e pecuarista no Segundo Distrito de Lavras do Sul, área fortemente afetada. A reflexão é: as barragens do Taquarembó e do Jaguari permitiriam amenizar os impactos na produção, caso estivessem operando?
Isso, pois, no governo passado, foi amplamente divulgada a falácia de que as secas periódicas do Rio Grande do Sul seriam simplesmente eliminadas com a construção de barragens, a exemplo dessas. Detalhes técnicos sobre a função de uma barragem, e sobre a reduzida área que beneficia, podem ser encontrados em outra inserção nesse blog, datada de 6/5/2009, cujo link é reproduzido ao pé desse texto. Acrescento agora outras considerações, sob a perspectiva de quem está sofrendo os efeitos desse evento climático.
A maior parte da população rural de Lavras do Sul, e também de Dom Pedrito, outro município fortemente afetado, está fora da zona situada às margens dos lagos que serão formados acima das barragens, ou longe das margens dos rios regularizados abaixo das barragens. Portanto, em nada será beneficiada.
No meu caso particular, tenho uma área que será parcialmente inundada pela barragem do Jaguari, e desta forma a água estaria ao lado. No entanto, o arroio Jaguari, mesmo com vazões reduzidas, continua fluindo e meu gado tem acesso às suas águas para dessedentação, nas invernadas lindeiras com esse curso de água. Nas demais, se não houvesse construído pequenos açudes que armazenaram as águas do inverno/primavera de 2010, não haveria como prover acesso a água, a não ser levando-os para as invernadas lindeiras, tendo como resultado a superlotação do campo. Ficariam com água, mas sem comida. Ou empregando caros recalques para abastecer os bebedouros, algo que poderia fazer agora, buscando água no próprio arroio, após obter a outorga de direitos de uso de água. Como a lei registra a prioridade de uso de água para abastecimento humano e dessedentação animal, eu teria prioridade, pelo segundo aspecto. Em suma, não precisaria dessa barragem.
No caso do campo, para permitir o aumento de disponibilidade de alimento, mesmo com a carência de chuvas, eu teria que recorrer à irrigação, com grandes investimentos em bombas de recalque, aspersores ou canhões auto-propelidos, e custos de energia, incluindo a implantação de linha trifásica, transformadores, etc. Algo que não descarto no futuro, quando a barragem entrar operação. Mas já sabendo que terei que investir muito para poder usufruir dessa possibilidade, com implantação de pastagens estivais (sorgo forrageiro, por exemplo) e que meu gado deverá ter qualidade excepcional para gerar receitas que compensem tais investimentos. Possivelmente, em vez de apenas vender terneiros na Feira de Lavras do Sul, terei que vender também genética em feiras especializadas de bovinos das raças Angus e Hereford, e ovinos PO da raça Île-de-France. E com o desafio financeiro de arcar com as exigências financeiras e de gerenciar uma cabanha com irrigação de pastagens.
Quantos poderão se beneficiar dessas barragens? Poucos, adianto. Ou por que não se localizam às suas margens ou, mesmo nessa situação, por não terem capacidade gerencial e financeira expressivas para reconversão de seu sistema produtivo com investimento na irrigação, alternativa interessante, mas com altos custos e demandas gerenciais, e grandes riscos.
O que tem permitido a nossa propriedade, a Fazenda Colorado, contornar as grandes dificuldades que a seca tem trazido são investimentos simples, ao alcance de muitos pecuaristas, previamente realizados: ajuste de lotação, construção de pequenos açudes (bebedouros), divisão de invernadas para melhor manejo, implantação de pastagens hibernais, implantação de creep-feeding para suplementar os terneiros recém-nascidos e, com isso, aliviar as matrizes prenhas, entre outros. Ainda é cedo para dizer até que ponto mitigaremos o impacto da seca sobre nosso sistema produtivo. Mas uma lição que estou aprendendo é que todo preparo prévio, acima listado, foi válido e que muito ainda tenho que fazer na propriedade para que ela esteja mais bem preparada para conviver com as próximas secas que certamente virão, pois elas são a condição natural do Pampa gaúcho.
Em resumo, a lição que vale aprender: devemos estar preparados para conviver com as secas. Apenas algumas poucas propriedades às margens dos lagos e a jusante das barragens, que serão implantadas com grandes custos econômicos, ambientais e sociais, poderão se beneficiar, a custa de grandes investimentos em irrigação, que nem todas terão capacidade de fazer.
Outra lição que não precisei aprender, mas que pode servir para outros que foram mais crédulos com relação a essas barragens: cuidado com o "papo-furado" de pessoas desinformadas, ou que estão em busca de seus próprios interesses, que anunciaram tais barragens como a solução dos problemas da Metade Sul do RS.
Finalmente, ao novo governo do Rio Grande do Sul: a nossa esperança que compreenda que seca não se pode evitar, com elas se deve estar preparado para conviver. Melhor que barragens caras, que geram benefícios para poucos que tem capacidade financeira para usufruí-los, são a assistência técnica e os financiamentos para reconversão da agricultura e da pecuária para convivência com as secas. Apenas eles beneficiarão amplo número de agricultores e pecuaristas, e mudarão o estado para melhor.

O link para o texto de 6/5/2009, quando outra seca ocorreu na região, não tão intensa quanto a atual, está em: http://edulanna.blogspot.com/2009_05_01_archive.html

Continua atualíssimo.

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