quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O bioma pampa em risco? A plantação de pínus e eucaliptos

Entrevista à Revista do Instituto Humanitas UNISINOS, no. 247, 10/12/2007

IHU On-Line - Sendo o senhor proprietário de terras no pampa gaúcho, qual é a sua avaliação da região?
Eduardo Lanna -
O pampa tem vários aspectos de interesse. Sob o ponto de vista histórico-cultural, ali estão as origens do arquétipo do gaúcho. Toda tradição gaúcha, cultuada por tantos CTGs espalhados pelo Brasil e pelo mundo, vem do pampa: os grandes espaços, a lida com o gado, o cavalo, companheiro nessa jornada. Sob o ponto de vista paisagístico, trata-se de uma das mais belas paisagens do mundo, que emociona a todos que têm o privilégio de conhecê-la. A BR 293, que corta o pampa no sentido Leste-Oeste, de Pelotas a Quaraí, apresenta aos seus viajantes um cenário do qual nunca irão esquecer. Sob o ponto de vista ambiental, além de ser o único bioma brasileiro que se manifesta em um só estado, o Rio Grande do Sul, são poucas as regiões no mundo que apresentam esta enorme diversidade de espécies campestres. Em termos florísticos, são cerca de 450 espécies de gramíneas forrageiras e mais de 150 espécies de leguminosas, sem contar as compostas e outras que totalizam cerca de 3000 espécies, ensinam professores do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A fauna é composta por grande número de pássaros e animais de pequeno porte, peixes, anfíbios, répteis, mamíferos etc. Sob o ponto de vista econômico, existe uma enorme oportunidade representada pela produção de carne de gado bovino, em campos naturais com grande diversidade, sem necessidade de suplementação alimentar, o que lhe confere um sabor especial, sem igual. É a melhor carne do mundo, que o mercado sofisticado dos países mais desenvolvidos deseja consumir e pagar por isto. Bem manejado, e com melhorias no campo nativo representadas pela correção de acidez, adubação e plantio de espécies hibernais, pode-se atingir produções de 1000 kg por ano de carne de qualidade extraordinária em cada hectare, de acordo com pesquisas realizadas pelo Departamento de Plantas Forrageiras e Agrometeorologia da UFRGS. Com a carne valendo atualmente mais de R$ 2,20 o quilo, isto representa mais de R$ 2.200,00 de receita bruta por hectare em cada ano, bem mais do que em qualquer outra atividade nesse bioma, incluindo a agricultura e a silvicultura.

IHU On-Line – O pampa comporta a demanda das culturas de pínus e eucalipto?
Eduardo Lanna -
Se ele comporta o pínus e o eucalipto a resposta mais evidente é: para quê? Para que transformar este ambiente único que temos ainda o privilégio de conhecer em um “deserto verde” de plantações de árvores que não são naturais na região? Para que comprometer a diversidade biológica, alterar a belíssima paisagem, transformar radicalmente o ambiente de formação do gaúcho por uma atividade cuja rentabilidade não alcança a do campo bem manejado, e cuja continuidade se resume a algumas poucas décadas? O que será das áreas florestadas daqui a 20 anos, quando o pínus e o eucalipto de rebrote não mais serão economicamente viáveis, e quando toda a diversidade biológica atual estiver extinta? Como promover a recomposição desses campos? E a que custos? Que explicações os que defendem a silvicultura na região darão para seus netos?

IHU On-Line - Como o senhor percebe a utilização de grandes potenciais hídricos utilizados para a irrigação de eucaliptos? A água de qualidade encontrada no pampa gaúcho deveria ser utilizada para outro fim?
Eduardo Lanna -
Não consta que o eucalipto será irrigado na região, mas, sem dúvida, é um grande consumidor de água, comparado ao campo nativo que vai ser eliminado. Essa região apresenta, em boa parte do ano, balanço hídrico deficitário. Ao se introduzir uma espécie conhecida por seu grande consumo de água, expressivamente maior do que o consumo do campo nativo, a tendência é o agravamento das condições de suprimento aos usuários atuais de água, como a orizicultura e o abastecimento das cidades. A água do pampa já está quase que totalmente comprometida com os atuais usuários, e a situação deles certamente será agravada, tanto mais quanto maior for a área destinada à silvicultura. E ocorre aí um ciclo perverso: a escassez de água regional - ao contrário de impedir o ingresso de atividades que a usam de forma intensa, como o plantio de eucalipto, ou controlar a irrigação perdulária de arroz - levará à decisão de se construir reservatórios de regularização (barragens). Essas barragens inundam mais campos nativos e ensejam o incremento das áreas irrigadas de arroz, que invadem Áreas de Proteção Permanente, ou seja, as várzeas ribeirinhas aos rios e arroios da região, reduzindo outras áreas com expressivo valor ambiental. Tudo isto contribui para grandes alterações do pampa, que trazem o risco de descaracterizá-lo.

IHU On-Line - O eucalipto é uma planta que demanda muita necessidade de água. Pensando em possíveis períodos de escassez hídrica no pampa, a introdução dessas monoculturas afetará o manancial hídrico da região? De que maneira?
Eduardo Lanna -
Certamente haverá alterações. Existem estudos em vários países que constataram isto. Mesmo no Brasil, existiram áreas úmidas que foram secadas com emprego de eucalipto – aliás, comenta-se ser um bom uso para essa espécie: secar áreas úmidas. O problema é que são poucas as pesquisas na região e por isto os impactos que serão causados não foram ainda avaliados. Desta forma, um bioma pouco conhecido como o pampa está em risco de ser altamente alterado antes que sejam avaliadas as conseqüências nefastas para a sociedade atual e para as gerações futuras.

IHU On-Line - As empresas de celulose, apropriando-se de áreas próximas ao Aqüífero Guarani podem colocar em risco esse reservatório de água doce?
Eduardo Lanna -
Deve ser reconhecido que o aqüífero Guarani é um gigantesco reservatório subterrâneo de água doce e que há uma desproporção entre o grande uso de água que será consumida pelo eucalipto e essas gigantescas reservas existentes. Ocorre, porém, que, ao contrário do que existe no imaginário das pessoas, esse grande reservatório não é algo contínuo. Existem inúmeros compartimentos não comunicáveis entre si, que foram criados pelos movimentos tectônicos. Desta forma, pode ser considerada a hipótese de que áreas expressivas com eucaliptos se localizem sobre compartimentos isolados do aqüífero Guarani que serão afetados. Isto é particularmente mais grave devido ao fato de que as áreas de recarga do aqüífero são, via de regra, áreas com solo arenoso que apresentam poucas alternativas de uso além da pecuária e silvicultura e, por isto, tem menor valor de mercado. São essas as áreas preferidas pela silvicultura, já que o pecuarista ainda não se deu conta do potencial de uso do campo nativo e, por isto, o mercado não valorizou como deveria as áreas destinadas à pecuária. Desta forma, embora não existam estudos a respeito, não são descartáveis as possibilidades de haver o risco que a pergunta menciona.

IHU On-Line - Com a implantação da monocultura de pínus e eucalipto no pampa gaúcho, poderá se decretar o fim da atividade pecuarista na região?
Eduardo Lanna -
Depende muito como ocorrerá. Não acredito que o pampa todo seja ocupado por eucalipto e pínus. Desta forma, sempre sobrará alguma área para a pecuária. No entanto, insisto: não é aceitável que áreas de expressivo valor histórico, cultural e ambiental, e grande potencial econômico, sejam alteradas para dar lugar a atividades que economicamente não são tão rentáveis quanto uma pecuária moderna, que aproveite as enormes vantagens comparativas do pampa, para produzir a carne que o mundo deseja consumir.

IHU On-Line - Podem surgir problemas e conseqüências socioeconômicas e ambientais com o aumento da plantação de eucaliptos?
Eduardo Lanna -
A esse propósito, cabe comentar que existe um estudo muito abrangente realizado pela Fepam, pela Fundação Zoobotânica e pelo Departamento de Florestas e Áreas Protegidas do estado do Rio Grande do Sul, com apoio de especialistas de várias universidades, que definiu 45 Unidades de Paisagem Natural – UPN e indicou, por meio de uma matriz de vulnerabilidade, 12 UPN com baixo grau de restrição à silvicultura, 15 com médio grau e 18 com alto grau de restrição. Ele foi chamado de “Zoneamento Ambiental para Atividade de Silvicultura no Rio Grande do Sul – ZAS”. Por que o estado, que elaborou este estudo com alto nível de qualidade, não o adota como referência para licenciamento? Não estou aqui me colocando em uma posição extrema contra o eucalipto. Acho que nas 12 UPNs com baixo grau de restrição não haveria maiores problemas para o seu plantio, desde que adotadas as precauções mínimas que o ZAS determina. O mesmo poderia ocorrer nas 15 UPNs com médio grau de restrição, em que as precauções serão maiores. Por que insistir em ocupar parte das 18 UPNs com alto grau de restrição? Por que não considerar este estudo, elaborado pelo próprio estado, como base para o licenciamento? A razão é que por alguma razão ele não agradou às empresas de celulose e às de silvicultura. Por que razão? Certamente por questões econômicas. Muitas se anteciparam e adquiriram vastas extensões de terra baratas no pampa com a perspectiva de implantação de florestas de eucalipto. Correram um risco, pois na época não havia o ZAS, e não querem perder com suas apostas. Estão comprometendo ambientes de expressivo valor ambiental e cultural, e com grande potencial econômico, reafirmo, apenas levando em consideração o aumento de seus lucros imediatos. Para amenizar declaram, como recentemente, que usam apenas metade das áreas que adquiriram: se essas estão nas 12 UPNs com baixas restrições, possivelmente estaria tudo bem. Mas se estiverem – e muitas estão – nas 18 UPN com alta restrição à silvicultura, deixar metade sem eucalipto é muito pouco.

IHU On-Line - Em que consiste o trabalho da Apropampa? Essa atividade pode ser uma alternativa a silvicultura?
Eduardo Lanna -
A Apropampa é uma associação cultural, social e de pesquisa, sem fins lucrativos, formada por produtores rurais, indústria frigorífica, varejo e outros agentes ligados à cadeia da bovinocultura de corte de forma direta ou indireta, e que tem como o seu principal objetivo a preservação e proteção da indicação geográfica da carne, couro e seus derivados, da região “Pampa Gaúcho da Campanha Meridional”. Entre outros objetivos, existe o de ofertar produtos da pecuária bovina de corte com garantia de origem e qualidade – a certificação de origem - ao consumidor. Por meio da implementação de processos de qualidade, agregar valor aos agentes envolvidos na cadeia produtiva da pecuária bovina de corte. De grande relevância, a Apropampa pretende desenvolver ações que promovam a organização e preservação do pampa gaúcho da Campanha Meridional, promovendo estudos e agindo junto às autoridades competentes para o atendimento deste objetivo, além de estimular e promover o potencial turístico da região, bem como o aprimoramento sociocultural dos associados, seus familiares e comunidade. Maiores informações podem ser obtidas na página www.carnedopampa.com.br.

Em outras palavras: a Apropampa visa à promoção do desenvolvimento sustentável do pampa, na região por ela demarcada, por meio da atividade que melhor concilia o crescimento econômico com a proteção ambiental que é a bovinocultura de corte.

Como comentei antes, a pecuária de corte nessa região produz a melhor carne do mundo e, havendo um bom manejo, pode chegar a produzir 1000 kg de carne por hectare, em cada ano. Nem a silvicultura ou a agricultura de arroz ou soja, milho etc. podem ser tão rentáveis nessa região. E, o que é também importante, é possível conciliar a pecuária de corte com a proteção ambiental do pampa, mantendo e ampliando os serviços ambientais que presta. Já nos outros casos, isso não ocorre, muito pelo contrário.

IHU On-Line - Sendo o pampa gaúcho um dos ecossistemas mais importantes do estado, ele corre o risco de sofrer degradações ambientais irreversíveis devido ao excesso de eucaliptos?
Eduardo Lanna -
Sem dúvida. Após 20 anos de silvicultura, resta um solo que não mais produz eucalipto com valor comercial, com os tocos e raízes profundas que sobraram. Quem vai retirar isto e a que custo? Quanto tempo levará até que o solo se reconstitua? E o campo nativo, quando será recuperado? Poucos se preocupam com isto, aparentemente. E isto, mais uma vez, poderia ser evitado simplesmente fazendo com que o governo do Estado, e as empresas de celulose e de silvicultura, aceitem o “Zoneamento Ambiental para Atividade de Silvicultura no Rio Grande do Sul” – ZAS, elaborado pelo governo passado como diretriz para o licenciamento da silvicultura. Como já comentei antes, esse estudo permite o plantio de eucalipto em grandes extensões representadas pelas 12 UPN com baixas restrições ambientais ou, mesmo, nas 15UPNs com médias restrições. Não acatar o ZAS é desmerecer o trabalho de um grande contingente de técnicos do Estado, altamente preparados, que elaboraram o estudo por encomenda do governo passado. É pensar o futuro com uma visão imediatista, esquecendo as futuras gerações. É possível conciliar a proteção do pampa com a silvicultura: bastaria aceitar o que recomenda o ZAS. O governo atual, caso não mude as suas políticas nessa matéria, terá que carregar a acusação de grande negligência ambiental. As empresas de celulose e de silvicultura podem ser acusadas de insensibilidade ambiental e irresponsabilidade social, por conta de expectativas de lucros excessivos.

IHU On-Line - Problemas com o plantio de eucalipto ocorrem apenas no Rio Grande do Sul ou se estendem até o Uruguai e Argentina? Como o senhor percebe as políticas públicas desenvolvidas nestes dois países?
Eduardo Lanna -
Tenho poucos detalhes sobre as políticas que nossos irmãos do Prata adotam nesse sentido, mas me parece não serem muito diferentes daquelas que estão sendo adotadas no Rio Grande do Sul. A “Guerra das Papeleiras”, que está colocando a Argentina e o Uruguai em acirradas discussões, mostra que os problemas vão além das fronteiras brasileiras. É todo o pampa, que se entende a estes países, que se encontra ameaçado. Infelizmente, as grandes organizações da cadeia de celulose descobriram essa região excepcional, que, além de grande produtividade na cultura de eucalipto, tem a favor delas o relativamente baixo custo das terras, devido à pecuária pouco tecnificada nelas praticada. No entanto, a qualidade da carne que aqui se produz é conhecida mundialmente. Falar de carne argentina ou uruguaia é atestar essa qualidade. E a carne que produzimos no pampa gaúcho em geral, e a carne que produzimos na Apropampa, em especial, em nada difere da carne dos nossos vizinhos. Talvez devêssemos nos unir nesse esforço de valorizar a carne produzida nesses campos, divulgando as técnicas de manejo que permitem alcançar rentabilidades superiores à da silvicultura, como forma de controlar o avanço da degradação desses campos. A UFRGS já faz isto, ao promover anualmente um simpósio de forrageiras e produção animal voltado para a sustentabilidade produtiva do bioma pampa. Essas informações precisam ser compartilhadas e assimiladas por todos: os pecuaristas de todos os países e os seus governantes. As futuras gerações certamente nos cobrarão pela omissão.

3 comentários:

Anônimo disse...

aLÉM DE TUDO ISTO TEM A MALÉFICA SEMEADURA PELO VENTO, SE ESPALHANDO PELAS MATAS NATIVAS E ACABANDO COM ELAS

Mauro Assis disse...

Faz tempo que não lia tanta bobagem. O entrevistador não tem a menor ideia do que seja a silvicultura. Eucalipto irrigado?? A silvicultura secando o aquífero Guarani?? Até o entrevistador diversas vezes falou "menos, menos..." E se a produção de carne é assim tão mais rentável que a produção de madeira, porque raios o agricultor gaúcho trocaria uma pela outra?
Bom, eu sei que esse post vai ser deletado, mas ao menos o sujeito que deletar vai ler...

HidroLógicas disse...

Caro Msuro Assis
Ao contrario do que pensou eu respeito o contraditório. Abraço