sábado, 8 de novembro de 2008

Bioma Pampa agredido pelas barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó

Denúncia do Movimento Gaúcho de Defesa do Meio Ambiente
Fonte:
Sindicato dos Empregados em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas e de Fundações Estaduais do RS

O governo federal e o estadual do Rio Grande do Sul vêm anunciando a construção de duas de cerca de uma dúzia de barragens na bacia do rio Santa Maria, no bioma Pampa: as do arroio Jaguari (municípios de Lavras do Sul e São Gabriel) e Taquarembó (municípios de Dom Pedrito e Lavras do Sul). Essas barragens, que inundarão áreas importantes quanto à biodiversidade e a presença de espécies endêmicas, servirão para disponibilização de água para irrigação do arroz, primordialmente. A cultura de arroz gera outro impacto, ao eliminar áreas de preservação permanente - APP, localizadas nas várzeas fluviais. Portanto, as barragens geram um duplo impacto: pelo alagamento de áreas com grande biodiversidade e pela ocupação com o arroz de APPs. Recentemente foram apresentados os Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) desses empreendimentos. Chamam a atenção a má qualidade, as omissões, e as falhas diversas que apresentam o que, por si só, seriam mais que suficientes para torná-los inaceitáveis. Alguns pontos mais expressivos:

Serão mais de 1.132 hectares de florestas de galeria que deverão ser suprimidas ou sucumbirão com estas duas obras. Uma fauna raríssima e ameaçada, e as florestas mais contínuas (Matas em Galeria) da região do Pampa desaparecerão. Na área prevista para o alagamento das barragens 1.579.106 árvores nativas deverão ser suprimidas. Esta quantidade corresponde ao total de árvores que ocorre nas ruas de Porto Alegre, cidade considerada mais arborizada do Brasil. A grande maioria de espécies que não existe em nenhum viveiro do Estado.

Os estudos de impacto não fazem referência as espécies da flora ameaçada de extinção pelo Decreto Estadual 42.099/2002. Corticeiras, figueiras, araucárias e outras espécies que sendo retiradas exigem reparações não foram contabilizadas, embora existam em grande número nas áreas a serem inundadas. Os levantamentos são insuficientes, com amostragens escassas (apenas 80 árvores), não tendo amostragens quantitativas de campo.

Nestas áreas existem espécies de fauna de mamíferos ameaçados como gato maracajá (Leopardus wiedii), veado catingueiro (Mazama gouazoupira), gato-do-mato (Oncifelis geofroy), entre outros.

Chama a atenção nesse processo de licenciamento ambiental dessas barragens o lamentável comportamento do governo do RS e dos dirigentes de seu órgão ambiental, a FEPAM. Eventos que deveriam constranger a sociedade gaúcha foram perpetrados na ânsia de aprovar, de qualquer maneira, essas obras, sem qualquer análise técnica, econômica, social e ambiental criteriosa.

As práticas censuráveis foram iniciadas em 20 de março de 2007 por um anúncio no Diário Oficial do RS, em sua página 16, disponibilizando os EIA/RIMAS das barragens na biblioteca da FEPAM para consulta. Foi constatada uma tentativa grosseira de apresentar relatórios carentes de conteúdo técnico como se fossem RIMAs. Uma nota manuscrita deixada em protesto na biblioteca da FEPAM foi suficiente para a retirada dos pretensos RIMAs e a afirmação do seu na época presidente de que eles nunca existiram.

Não melindrada pelo ocorrido, em agosto de 2007, a FEPAM emitiu “Licenças Prévias de EIA-RIMA” que autorizaram, sem haver necessidade para tal, a “continuidade do procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio” dos empreendimentos das barragens do arroio Jaguari e Taquarembó. Este tipo de licença não faz parte dos documentos que são requeridos pela legislação ambiental; dar continuidade ao “procedimento administrativo de licenciamento ambiental prévio” é uma obrigação e razão de ser da FEPAM para o qual não há necessidade de autorização. O que foi mais grave é a exigência de publicação no “Diário Oficial do Estado e em periódico diário de grande circulação regional na área do empreendimento”, o pedido de licenciamento, “informando que a FEPAM emitiu Licença Prévia para continuidade do licenciamento, através do instrumento EIA-RIMA”. Ou seja, o objetivo era tão somente iludir a terceiros (possivelmente o Governo Federal que financia os empreendimentos pelo PAC) levando ao entendimento equivocado que as Licenças Prévias haviam sido efetivamente emitidas. Isso motivou ao Ministério Público Estadual acionar a justiça que suspendeu, liminarmente, essas licenças.

Como conseqüência, foi homologado no final de 2007 um Termo de Ajuste de Conduta – TAC entre o Governo do RS e o MPE. O item 5 das resoluções é constrangedor: “a FEPAM se compromete a impedir o início de qualquer obra referente aos empreendimentos enquanto não finalizado todo o processo de licenciamento de instalação”. Um item dispõe que a FEPAM, “na eventual concessão das LPs ....”; ou seja: no TAC está claro que as LPs não foram emitidas.

Finalmente: em Junho de 2008 os EIA/RIMA foram apresentados e para as suas elaborações foi contratada a empresa de consultoria Beck de Souza Ltda. Cabe alertar que Estudos Prévios de Impacto Ambiental são legalmente normatizados no estado do Rio Grande do Sul pelo Código Estadual de Meio Ambiente, instituído pela Lei Estadual nº 11.520, de 03 de agosto de 2000. Nesta lei - visando a evitar que a empresa contratada para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental de um empreendimento seja “contaminada” pela vontade de aprová-lo face à sua captura pelos interesses do empreendedor, como parece ter ocorrido no caso das barragens aludidas, de forma objetiva ou subjetiva - é disposto que a empresa contratada deve ser não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto. Ela também não poderá prestar serviços ao empreendedor, ... ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) (art 76).

A consultora contratada tem um longo envolvimento com esses empreendimentos, o que deveria inabilitá-la para elaborar os seus EIA/RIMAs à luz da legislação. A saber:

1. Em 2001, a empresa Beck de Souza Engenharia Ltda apresentou um estudo à Secretaria de Obras Públicas e Saneamento – SOPS que foi posteriormente apresentado como um pretenso Rima da barragem do Jaguari, em março de 2007.

2. Em 22 de Julho de 2004 a consultora foi contratada pela SOPS para “Execução dos serviços de consultoria, compreendendo apoio gerencial e operacional, elaboração de estudos técnicos, programas ambientais, diagnósticos, prognósticos, planos, sistemas, programas de qualidade e projetos, no âmbito da SOPS”. Muitos desses estudos, amparados por este contrato “guarda-chuva”, dizem respeito a partes do projeto das barragens dos arroios Jaguari e do Taquarembó, o que pode ser facilmente verificado nos processos administrativos da SOPS. A rigor, a consultora se tornou um “escritório de projetos” para a SOPS, tratando de adaptações e atualizações nos projetos desses empreendimentos, originalmente propostos por outras empresas, entre outras tarefas. Essa atividade, iniciada em 2004 teve seqüência ao longo do tempo, por meio de aditivos diversos muitos dos quais visaram a adaptação dos projetos das barragens.

3. Finalmente, em 28 de junho de 2007, houve o quarto aditamento, que “visa aditamento de acréscimo de serviços com vistas ao atendimento ao constante dos Termos de Referências, integrantes deste processo, referentes aos Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental – EIA – RIMA dos Sistemas que compõem todos os empreedimentos das Barragens dos Arroios Jaguari e Taquarembó, na Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria, Metade Sul do Estado, conforme acréscimos descritos na Cláusula Segunda deste aditivo”.

Logo, a consultora mencionada, que foi contratada em 2004 para servir de escritório de “serviços de consultoria ... e projetos” pela SOPS, atuando nas diversas alterações e adaptações dos projetos das barragens do Jaguari e do Taquarembó, foi adiante contratada para elaborar o estudo de impacto ambiental de ambos os empreendimentos, - o que é ainda mais grave: pelo mesmo instrumento - em flagrante e inequívoca contradição ao que dispõe o Código Estadual de Meio Ambiente, em seu art. 76.

Pelas razões amplamente demonstradas e que podem ser comprovadas por publicações no Diário Oficial do Rio Grande do Sul, e que poderão ser ainda mais aprofundadas em consultas aos processos da SOPS relativos ao contrato com a consultora, fica caracterizado que ela, responsável pela elaboração do EIA/RIMA das barragens dos arroios Jaguari e Taquarembó:

1. dependia diretamente do proponente do projeto, em função de contrato guarda-chuva que vigia desde 2004, com objetivo de adaptar e alterar o projeto dos empreendimentos, entre outras funções;

2. prestou serviços ao empreendedor, simultânea e diretamente, ou por meio de membros da equipe técnica que elaborou os estudos, como projetista ou executora de serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), tendo como vínculo o mesmo contrato que amparou a elaboração do EIA/RIMA;

3. e, em função desses fatos, não possui a independência necessária e legalmente requerida pelas normas legais para produzir um estudo de impacto ambiental dos empreendimentos em apreço.

CONCLUSÃO FINAL

Diante desses fatos, o bom senso, o espírito público e a obediência à legislação impõem:

1. Que a FEPAM inabilite os EIA/RIMAs dos empreendimentos das barragens do arroio Jaguari e do arroio Taquarembó como peças para análise dos impactos ambientais desses empreendimentos;

2. Que a FEPAM determine ao empreendedor, a SOPS, que promova a contratação de outra empresa real e comprovadamente independente, para realização de novos EIA/RIMAs;

3. Que a FEPAM, nos Termos de Referência que deverá elaborar para os novos EIA/RIMAs, assegure-se que sejam estes estudos sejam preparados com maior consistência e rigor técnico, dirimindo os problemas que foram brevemente apontados e outros facilmente constatáveis em uma análise mais apurada do material apresentado.

Finalmente, urge que a Fundação Estadual de Proteção Ambiental volte a ser um órgão que promova efetivamente a proteção ambiental do estado, como diz seu próprio nome, e possa de novo merecer a confiança do povo gaúcho nas questões ambientais.

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