quinta-feira, 28 de abril de 2011

Os (maus) investimentos públicos e os gargalos da economia do Rio Grande do Sul

A economia gaúcha apresenta gargalos que desafiam os seus governos e sociedade na busca de soluções que coloquem o estado de volta na trilha do desenvolvimento sustentável. Sem investimentos públicos e privados, a tendência é que o processo de degradação econômica há anos existente seja intensificado, levando o Rio Grande do Sul a um processo de bancarrota e esvaziamento econômico e populacional, algo que é percebido há algum tempo. Uma das condições essenciais para frear esta decadência é a realização de bons investimentos, especialmente os de natureza pública. Isto, pois são esses investimentos que mantém e aprimoram a infraestrutura produtiva, já tão depreciada. É com base em uma infraestrutura de transportes, armazenagem, educação e segurança, somadas a competente regulação econômica, sanitária e ambiental, funções precípuas do Estado, que as atividades privadas podem florescer e levar a economia a uma situação mais saudável.

Novamente, as barragens da bacia do rio Santa Maria

Entretanto, os investimentos públicos, em muitos casos, carecem da devida eficiência econômica e rentabilidade social. No caso das barragens da bacia do rio Santa Maria, tão criticadas neste blog, ainda se somam os impactos ambientais não mitigados ou compensados. O governo do estado, sem ter competência para acabar no prazo e no orçamento previsto as duas primeiras barragens, do Jaguari e do Taquarembó, vem agora anunciar que, “afora a conclusão das duas barragens em andamento (Taquarembó e Jaguari) estão assegurados recursos de R$ 600 milhões para construção de mais quatro barragens e de dois canais de irrigação”. Nota: os dois canais de irrigação são os que levarão as águas das barragens em construção às áreas a serem de arroz irrigado beneficiadas. Portanto, fica claro que as barragens não apenas sairão mais caras e demorarão mais tempo para serem finalizadas do que o previsto, como também ainda demandarão a construção de caros canais para levar água para incrementar a produção de arroz do estado.

Quem precisa de mais arroz?

Cabe perguntar: há necessidade de se produzir mais arroz no estado? A resposta é não. Existe uma clara tendência de redução na demanda hídrica para cultivo do arroz, podendo atingir valores entre 12.000 e 8.000 m3/ha/safra, devido ao aumento da eficiência dos produtores. A área cultivada não deve aumentar, podendo inclusive ser reduzida, seja pela redução do consumo nacional de arroz – uma tendência que têm se afirmado nos últimos anos -, seja pela redução do estímulo aos agricultores diante de preços pouco atraentes, como os que ocorrem nesta safra de 2011.
A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), apresentada pelo IBGE (2010), mostra uma redução significativa do consumo de arroz por habitante no Brasil: de cerca de 30 kg/ano em 1985, para 24,6 k/ano em 2003 e, finalmente, 14,6 kg/ano 2009. Ou seja, uma redução de metade do consumo nos últimos 18 anos, e de cerca de 40% nos últimos 6 anos, evidenciando uma intensificação do processo.
Fonte: Zero Hora de 2/5/2011
A maior tendência é a conversão de sistemas de arroz irrigado em sistemas de irrigação de culturas que agreguem maior valor ao produto, por volume de água consumido, com uso de técnicas de irrigação mais hidroeficientes. Com isto, não haverá necessidade de água, mas de investimentos na reconversão agrícola. Parece que o estado ignora estas questões tão simples.

Gargalos gaúchos

Em sintonia com os maus investimentos públicos, o Rio Grande do Sul vai de mal a pior. De acordo com LAZZARI (2010), dados de 1981 a 2009 evidenciam que o desempenho da economia gaúcha foi inferior ao brasileiro no período. Entre as 27 unidades da federação o estado ocupou a 26ª colocação em termos de crescimento do PIB, sendo que situação pior se encontrava apenas o Rio de Janeiro. O crescimento do PIB per capita do RS foi superior à média nacional, mas se encontrava na 19ª colocação, atrás do PR (4ª), ES (10ª), SC (11ª), MG (15ª) e BA (18ª), superando SP (25ª) e RJ (26ª). Apesar disto, o estado se manteve em 4ª colocação em termos de PIB e em 6ª colocação em termos de PIB per capita. Até quando?

O comportamento comparativo do Valor Adicionado Bruto de quatro setores (Agropecuária, Indústria de Transformação, Construção Civil, Serviços) e subsetores dos Serviços (Comércio e Administração Pública) mostrou que apenas na Construção Civil a taxa de crescimento do RS foi superior à média nacional. Em todas elas o RS apresentou situação pior que os estados de MG, PR e SC entre 1986 e 2007 (LAZZARI, 2010).

A economia gaúcha dependente fortemente do desempenho da agropecuária e das exportações industriais, especialmente fumo, calçados e artigos de couro, máquinas e equipamentos e alimentos. Quando a agropecuária se sai mal, geralmente em função das estiagens, isto afeta as atividades da agroindústria. Especialmente a indústria de alimentos, fumo e máquinas e equipamentos (tratores, colheitadeiras e demais implementos agrícolas). Quando a indústria de exportação vai mal todo setor é afetado devido à alta dependência. Quando a agropecuária e a indústria vai mal, os serviços acompanham os maus resultados (LAZZARI, 2010). A questão não é, portanto, ser contra a irrigação, mas saber o que irrigar. Agregará o arroz, que está sobrando, dinâmica à economia gaúcha? É obvio que não! São outros produtos, que agregam maior valor à cadeia produtiva que terão esse papel e estão aparentemente esquecidos pelo governo.

Uma das razões estruturais para esses maus resultados é que o governo gaúcho sempre gastou nos últimos 25 anos mais do que a arrecadação. Os poucos anos de equilíbrio orçamentário foram alcançados de forma paliativa: por empréstimos, ou pela utilização da inflação para retardar pagamentos, ou pelos recursos das privatizações, ou, ainda, através das vendas de ações do banco do estado, o BANRISUL. Uma das principais razões reside nos prazos dilatados e isenções fiscais que incidem sobre o recolhimento do ICMS, pelo lado das receitas. Pelo lado das despesas existe o problema previdenciário: atualmente o estado gasta com a folha de funcionários aposentados 30% mais do que com a folha dos ativos e a tendência é de agravamento desta situação: quase 25% da folha se refere a servidores que reuniriam condições de aposentadoria e que estão sendo mantidos na ativa principalmente pela concessão das gratificações de permanência (RIO GRANDE DO SUL, 2010). A consequência direta deste déficit tem sido a redução da qualidade dos serviços públicos, decorrente da diminuição dos investimentos e da quantidade (e qualidade) dos servidores públicos em área fundamentais: saúde, educação e segurança (MENEGHETTI NETO, 2010). Indiretamente, o governo do estado perde a capacidade de planejar o processo de desenvolvimento do estado, tornado-se dependente dos aportes do governo federal para investimentos estratégicos, voltados à infraestrutura produtiva.

Uma característica marcante do Rio Grande do Sul é sua pequena taxa de crescimento populacional, a menor entre as Unidades Federadas do país, de apenas 0,49% ao ano. Esse quadro se deve, provavelmente tanto à baixa taxa de natalidade, quanto à alta taxa de êxodo populacional, buscando em outros estados melhores condições de vida e emprego. O estado tem crescimento populacional similar ao da França, e menor do que o da Noruega (0,62%), Espanha (0,77%), Canadá (0,90%), Estados Unidos (0,97%) e Argentina e Chile (1,0%). E maior que o do vizinho Uruguai (0,29%), país conhecido pelo êxodo populacional. Esses dados internacionais se referem ao período 2005 a 2010.
Por outro lado, o RS apresenta as menores taxas de mortalidade e uma das maiores esperança de vida ao nascer do país. Estas taxas, em seu conjunto, permitem duas interpretações: pelo lado positivo, uma menor pressão sobre investimentos públicos na educação básica o que permitirá a sua qualificação e melhoria na formação das novas gerações. Pelo lado negativo, uma maior população de idosos, muitos deles aposentados, demandando serviços de saúde e segurança pública.
O que é necessário (e o que não se deve) fazer
Os investimentos públicos requeridos para o Rio Grande do Sul são: educação de qualidade, saúde e segurança, como condição essencial. Urge a solução, com ajuda do Governo Federal, dos problemas previdenciários, fiscais e orçamentários. E investimentos em uma infraestrutura produtiva que gere condições para que a economia saia da estagnação atual, relativamente a outros estados da federação, e permita que o estado retorne à trilha do desenvolvimento sustentável.
Não será fazendo maus investimentos públicos, como o das barragens mencionadas, que melhores dias virão!

Referências

IBGE (2010). Brasileiro come menos arroz com feijão e mais comida industrializada em casa. Em http://www1.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1788&id_pagina=1, acesso em abril de 2011.

LAZZARI, M. R. A economia gaúcha na visão das contas regionais – 1980/2009. In: CONCEIÇÃO, Octávio A. C.; GRANDO, Marinês Zandavali; TERUCHKIN, Sônia Unikowsky; FARIA, Luiz Augusto Estrella (Org.). O movimento da produção. Porto Alegre: FEE, 2010. (Três décadas de economia gaúcha).

MENEGHETTI NETO, A. A crise das finanças públicas gaúchas. In: CONCEIÇÃO, Octávio A. C.; GRANDO, Marinês Zandavali; TERUCHKIN, Sônia Unikowsky; FARIA, Luiz Augusto Estrella (Org.). O movimento da produção. Porto Alegre: FEE, 2010. (Três décadas de economia gaúcha).

RIO GRANDE DO SUL (2010). Demonstrativo de Resultados da Avaliação Atuarial. Obtido em http://www1.previdencia.gov.br/sps/app/draa/draa_mostra.asp?tipo=2&codigo=17926&hddCNPJEnte=87934675000196&AnoProjetoLDO=2010 acesso em 30//3/2011.

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